Dia Internacional da Eliminação da Violência contra a Mulher: Reforçar o direito das mulheres migrantes, refugiadas e requerentes de asilo a uma vida livre de violência

Ana Cansado/ November 25, 2021/

Fonte da Imagem: UN Women

Although they represent more than half the world’s population, women and girls the world over are still at risk of being killed and subject to violence, intimidation and harassment when they speak out – for the simple fact of being women and girls. Violence against women and girls is the result of intersectional forms of social, political, economic, racial, caste and cultural discrimination perpetrated daily against women and girls in all of their diversity, including in the context of armed conflict, and States and the international community have the obligation mandated by international human rights law and standards to address this violence. Together, these forms of discrimination not only aggravate the intensity and frequency of violence but also sharpen the impunity that exists against it and increase societal and individual readiness to allow it

(UN Committee on the Elimination of Discrimination against Women)

Ana Cansado[1]

A Assembleia Geral das Nações Unidas designou o dia 25 de novembro como o Dia Internacional da Eliminação da Violência contra a Mulher. Esta data foi escolhida para homenagear as irmãs Mirabal, três ativistas políticas da República Dominicana que foram brutalmente assassinadas em 1960.

A Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulheres[2], enquanto instrumento internacional, juridicamente vinculativo, permite ancorar o combate à violência contra as mulheres na obrigação de eliminar a discriminação baseada no sexo e de assegurar a plena igualdade entre mulheres e homens.

O trabalho das Nações Unidas inspirou outros, como a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica[3], referida abreviadamente como Convenção de Istambul, e que é também um instrumento de direito internacional relevante. Da riqueza do seu conteúdo, destaca-se a importância da precisão de conceitos e o reconhecimento, logo no preâmbulo, de que a violência contra as mulheres é estrutural e é baseada no género.

Para a NOVA Refugee Clinic, são de extrema importância as normas na área de migração e asilo que estipulam que as partes assegurem medidas legislativas no âmbito da atribuição do estatuto de residente, da resposta a pedidos de asilo e do respeito pelo princípio de não repulsão.

Denunciar a violência contra as mulheres como uma violação dos Direitos Humanos e desconstruir estereótipos e discursos que impedem o progresso da igualdade entre mulheres e homens é, assim, uma forma de contribuir para a eliminação da violência contra as mulheres, mas também, de promover uma maior proximidade entre a academia e a sociedade, a aplicação prática do Direito e a colaboração científica interdisciplinar.

Um passo importante em direção à uma maior sensibilização é conhecer quem requer asilo e proteção em Portugal, reconhecer a presença específica das mulheres nesse grupo e que também elas têm direito a uma vida livre de violência.

No acervo deste blog[4] constam diversos posts que abordam os direitos humanos das mulheres e crianças na qualidade de migrantes, refugiadas e requerentes de asilo. Hoje serão referidos apenas alguns documentos que permitem dar visibilidade às mulheres refugiadas começando pelo Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo[5] da responsabilidade do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras:

“No que diz respeito à idade e género dos requerentes de asilo, é de salientar que 80,2% dos pedidos foram apresentados por indivíduos do sexo masculino, e que, em termos de caracterização demográfica, o grupo etário situado entre os 19-39 representou 69,0% do total” (SEF. 2021. Página 60)(sic)

Esta informação é relevante porque permite, por um lado, afirmar que o género é um atributo relevante na recolha de informação sobre os procedimentos de asilo e, por outro lado, tendo também em consideração a elevada percentagem de requerentes do sexo masculino, implica uma maior atenção ao cumprimento dos direitos específicos das mulheres.  

O mesmo documento refere ainda que, no que concerne às pessoas refugiadas acolhidas no âmbito de processos de reinstalação a partir de países terceiros, Portugal acolheu 13 mulheres nacionais da Síria e/ou do Sudão, vindas do Egipto e 86 mulheres nacionais do Iraque e /o da Síria, vindas da Turquia.

Pensar estes dados estatísticos em relação aos instrumentos internacionais de proteção dos direitos das mulheres faz refletir a importância de estudar e conhecer aprofundadamente as razões pelas quais as percentagens de requerentes por sexo são tão díspares.

O Relatório Estatístico do Asilo[6] do Observatório das Migrações salienta outras caraterísticas que se relacionam diretamente com a necessidade de promover a sensibilização para a eliminação da violência contra mulheres migrantes, refugiadas e requerentes de asilo:

“Em 2019, entre os 24 pedidos de mulheres e de raparigas com necessidades de proteção específica […], foram registados 9 casos de mutilação genital feminina (6 da Serra Leoa, 1 da Gâmbia, 1 da Guiné, e 1 do Gana), 6 casos de casamento forçado (3 da Guiné, 1 da Gâmbia, 1 da Guiné Bissau, e 1 da República Democrática do Congo), 6 casos de mulheres vulneráveis por se encontrarem sem marido e sem direitos (1t da Eritreia, 1 do Quénia, 1 dos Camarões, 1 do Iémen, 1 do Mali, e 1 do Iraque), e 3 casos de discriminação em virtude da orientação Sexual (1 da Jamaica, 1 de Angola e 1 do Irão). Já em 2020 na totalidade dos 5 pedidos de proteção internacional de mulheres e de raparigas com necessidades de proteção específica foi alegado o casamento forçado ou arranjado (1 dos Camarões, 1 da Gâmbia e 3 da Guiné-Conacri), tendo desse universo apenas um caso sido admitido.” (OLIVEIRA, C. R. 2021. Página 88)

Face a estes dados é importante reconhecer a violência que origina e legitima um requerimento de proteção internacional. É importante que a sociedade e, sobretudo, quem opera diretamente no sistema de asilo reconheça e respeite as diferenças entre hábitos culturais diversos e o respeito por Direitos Humanos.

Generalizações e estereótipos face a determinadas caraterísticas individuais, arranjos e formas de organização familiar ou outras, diferentes do padrão europeu, num determinado momento, não constituem necessariamente um indício de violência de género. Já existe produção científica sobre violência e outras práticas ditas nefastas que permitem capacitar e sensibilizar profissionais e a sociedade em geral.

O fator linguístico e o bom senso na escolha de quem exerce as funções de tradução/interpretação são variáveis fundamentais para se assegurar o exercício do direito de proteção com base na violência de género.  

E também importante sensibilizar para as particularidades da violência em relações de intimidade, sobretudo para promover a compreensão da necessidade de tempo e o respeito por outros fatores críticos para o estabelecimento de relações de confiança e para que as vítimas possam relatar as suas histórias. Este trabalho imenso não é, no entanto, suficiente, uma vez que é preciso ter em conta que as mulheres podem ser vítimas de violência de vário tipo e em todas as fases do ciclo de refúgio, inclusive durante a estadia em campos de população refugiada[7].

Explorar[8] e divulgar as recomendações relativas aos direitos das mulheres é essencial para a sensibilização. O Grupo de Peritos para o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, denominado abreviadamente de GREVIO, que tem a seu cargo a monitorização da implementação da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, publicou um relatório[9] em janeiro de 2019 onde apresenta uma avaliação das medidas de implementação adotadas pelas autoridades portuguesas e um conjunto de recomendações entre as quais destacamos a necessidade dos procedimentos de asilo, serem sensíveis ao género, da criação de espaços de acolhimento seguros e adequados e a sensibilização dos serviços de apoio a pessoas requerentes de asilo para as necessidades das mulheres vítimas de violência.

Conhecer a legislação, monitorizar a aplicação das leis e contribuir para dar resposta a quem legitimamente procura informação e apoio na NOVA Refugee Clinic é sem dúvida um contributo significativo para a proteção das mulheres e para eliminação de todas as formas de violência contra as mulheres.


[1] Consultora da NOVA Refugee Clinic – Legal Clinic

[2] Portugal assinou a Convenção a 24 de abril de 1980, depositou o seu instrumento de ratificação junto do Secretário-Geral das Nações Unidas a 30 de julho de 1980 e a Convenção entrou em vigor a 3 de setembro de 1981. O texto da Convenção está disponível em https://dre.pt/dre/detalhe/lei/23-1980-472103

[3] A Convenção, adotada em Istambul, a 11 de maio de 2011, foi aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 4/2013, de 14 de dezembro de 2012, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 13/2013, publicados no Diário da República, I série, n.º 14, de 21 de janeiro de 2013. O texto da Convenção disponível em https://files.dre.pt/1s/2013/01/01400/0038500427.pdf

[4] Para perceber como se processa o Asilo em Portugal: E. DE OLIVEIRA, O Asilo em Portugal – Breves Notas, NOVA Refugee Clinic Blog, fevereiro 2021, disponível em <https://novarefugeelegalclinic.novalaw.unl.pt/?blog_post=o-asilo-em-portugal-breves-notas>

[5] SEF (2021), Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo – 2020, Coordenação Joaquim Estrela, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Gabinete de Estudos, Planeamento e Formação, disponível em https://sefstat.sef.pt/Docs/Rifa2020.pdf.

[6] OLIVEIRA, C. R., Requerentes e Beneficiários de Proteção Internacional em Portugal, Relatório Estatístico do Asilo, Coleção Imigração em Números do Observatório das Migrações, Lisboa: ACM, 2021.

[7] Sobre violência e, em particular a violência sexual e de género, realçamos o trabalho de Tatiana Morais publicado na coleção de teses do Observatório das Migrações:  MORAIS, Tatiana, A violência sexual e de género nos campos de população refugiada: Enquadramento e análise legal, Teses, n.º 52, 2020.

[8] Um trabalho já publicado sobre este tema é: França, Francisca Marques de. “Comentários à revisão da Recomendação relativa aos direitos humanos das mulheres e crianças na qualidade de migrantes, refugiadas e requerentes de asilo”. NOVA Refugee Clinic Blog, Outubro 2021, disponível em: <https://novarefugeelegalclinic.novalaw.unl.pt/?blog_post=breves-comentarios-a-revisao-da-recomendacao-relativa-aos-direitos-humanos-das-mulheres-e-criancas-na-qualidade-de-migrantes-refugiadas-e-requerentes-de-asilo>

[9] GREVIO (2019), Baseline Evaluation Report, Group of Experts on Action against Violence against Women and Domestic Violence, disponível em https://www.cig.gov.pt/wp-content/uploads/2019/01/Relat%C3%B3rio-GREVIO.pdf


COMO CITAR ESTE BLOG POST

Cansado, Ana. “No Dia Internacional da Eliminação da Violência contra a Mulher: reforçar o direito das mulheres migrantes, refugiadas e requerentes de asilo a uma vida livre de violência”. NOVA Refugee Clinic Blog, Novembro 2021, disponível em <https://novarefugeelegalclinic.novalaw.unl.pt/?blog_post=dia-internacional-da-eliminacao-da-violencia-contra-a-mulher-ressaltar-o-direito-das-mulheres-migrantes-refugiadas-e-requerentes-de-asilo-a-uma-vida-livre-de-violencia>

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About Ana Cansado

Consultora no âmbito da Igualdade de Género e dos Direitos das Mulheres. Colabora com diversas associações de mulheres e de imigrantes na defesa e promoção dos direitos humanos das mulheres.