O Asilo em Portugal – Breves Notas

Emellin de Oliveira/ February 1, 2021/

Emellin de Oliveira[1]

O Grupo de Prática da NOVA Refugee Clinic – Legal Clinic foi estabelecido com o objetivo de criar um espaço de informação e compreensão sobre o direito de asilo. Neste sentido, o nosso primeiro artigo tem por escopo traçar breves notas sobre o asilo em Portugal, apresentando sucintamente alguns conceitos e ideias sobre a proteção internacional na legislação portuguesa.

Assim, comecemos por 1976, altura da abertura democrática e da promulgação de uma nova constituição, em que Portugal consolidou o instituto do chamado asilo constitucional ou político. Assim, o art. 22.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) estabelecia que:

1. É garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos em consequência da sua actividade em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.
2. A lei define o estatuto do refugiado político.

Segundo Sofia Oliveira, o direito de asilo assegurado pela Constituição, como disposto em 1976, tinha por base “o empenhamento na luta por determinadas causas políticas”[2]. Contudo, a revisão constitucional de 1982 (Lei n.º 1/82, de 30 de setembro) alargou o escopo de proteção, que, nos termos da atual redação do art. 33.º, n.º 8, da CRP estabelece que:

É garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência da sua atividade em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana. (negrito nosso)

Apesar da previsão constitucional, o instrumento que regulou pela primeira vez o direito e o procedimento de asilo em Portugal foi publicado apenas em 1980. A Lei n.º 38/80, de 1.º de agosto, veio regular o asilo político, estabelecer o chamado asilo convencional (aquele que decorre da Convenção de Genebra de 1951 e do seu Protocolo Adicional de 1967) e permitir o asilo por razões humanitárias (por motivos de insegurança devida a conflitos armados ou da sistemática violação dos direitos humanos). Esta lei foi alterada pelo Decreto-Lei n.º 415/83, de 24 de novembro e foi revogada pela Lei n.º 70/93, de 29 de setembro.

A Lei de Asilo de 1993 veio adequar o direito nacional ao direito vigente sobre esta matéria na Comunidade Europeia (atual União Europeia), à qual Portugal havia aderido em 1986. Assim, criou-se o processo acelerado, que representou “um período de crise do direito de asilo, em que este apareceria como um sério obstáculo ao controlo das admissões ao território”[3]; e alterou-se o conceito de refugiado, em que “desaparece a figura do asilo por razões humanitárias”[4]. A Lei n.º 15/98, de 26 de março (posteriormente, alterada pela Lei n.º 20/2006, de 23 de junho), revogou a Lei de 1993 e estabeleceu duas fases para o procedimento de asilo, a de admissibilidade e a de instrução, fases estas que perduram até ao presente.

Em 2008, é aprovada e publicada a Lei n.º 27/2008, de 30 de junho (alterada pela Lei n.º 26/2014, de 05 de maio), que é a atual Lei de Asilo portuguesa (LA) e que:

Estabelece as condições e os procedimentos de concessão de asilo ou protecção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de proteção subsidiária, transpondo para a ordem jurídica interna as Directivas n.ºs 2004/83/CE, do Conselho, de 29 de Abril, e 2005/85/CE, do Conselho, de 1 de Dezembro[5].

A proteção internacional prevista na LA adota 3 formas:

  1. O asilo político/constitucional (art. 3.º, n.º 1);
  2. O asilo convencional (Art. 3.º, n.º 2):  Têm ainda direito à concessão de asilo os estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual; e
  3. A proteção subsidiária (art. 7.º, n.º 1): É concedida autorização de residência por proteção subsidiária aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3.º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave.

Neste sentido, o pedido de proteção internacional será aquele “apresentado por estrangeiro ou apátrida que pretenda beneficiar do estatuto de refugiado ou de proteção subsidiária e não solicite expressamente outra forma de proteção suscetível de ser objeto de um pedido separado”, nos termos do art. 2.º, n.º1, al. s) da LA. Importa mencionar que “qualquer pedido de proteção, ainda que implícito, é um pedido de proteção internacional” (art. 10.º, n.º 1, da LA) e que, num procedimento único, “deve ser determinado, em primeiro lugar, se o requerente preenche as condições para beneficiar do estatuto de refugiado e, caso não preencha, se é elegível para proteção subsidiária” (art. 10.º, n.º 2, da LA).

Esta ordem é relevante devido ao período da proteção concedida e em razão das condições da sua renovação. Enquanto o estatuto de refugiado implica a concessão de uma autorização de residência válida pelo período de 5 anos, renovável por iguais períodos (art. 67.º, n.º 1, da LA); o estatuto de proteção subsidiária garante uma autorização de residência válida pelo período de 3 anos, que poderá ser renovada por iguais períodos após uma análise da evolução da situação no país de origem (art. 67.º, n.º 2, da LA), para que se possa verificar a continuidade da sistemática violação dos direitos humanos ou do risco de sofrer ofensa grave.

Nos termos do art. 13.º da LA, o pedido de proteção internacional pode ser apresentado, pela via oral ou escrita, diretamente ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), responsável pela apreciação de tais pedidos (art. 10.º, n.º 3, da LA); ou a qualquer autoridade policial, que deverá encaminhar o pedido ao SEF em até 48 horas.

Após o registo do pedido, é entregue ao requerente uma declaração comprovativa que permite a sua permanência em território nacional até ao fim da fase de admissibilidade. Procede-se à recolha da imagem e das impressões digitais do requerente, caso este tenha idade superior a 14 anos, para fins de inserção da base de dados EURODAC e, caso seja necessário, para a determinação do Estado responsável pela análise do pedido de asilo, nos termos do Regulamento de Dublin.

Ainda, sob consentimento do requerente, o SEF informa o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e o Conselho Português para os Refugiados (CPR) sobre a apresentação do pedido de proteção internacional em Portugal, para que possam proceder ao acompanhamento e à assistência do requerente.  A lei prevê uma entrevista pessoal ao requerente, após a qual é emitido um relatório escrito. O requerente poderá pronunciar-se sobre o relatório dentro de um prazo de 10 dias, que servirá de base para a proferição da decisão fundamentada sobre o pedido de proteção internacional.

Tal decisão poderá ser negativa, caso se considere o pedido manifestamente infundado (art. 19.º da LA) ou inadmissível (Art. 19.º-A da LA), sujeitando o processo a uma tramitação acelerada. Por outro lado, a decisão poderá ser positiva, considerando o pedido admitido e passando-se à segunda fase do procedimento, a fase de instrução.

Pede-se atenção ao facto de que a descrição da fase de admissibilidade acima considerou apenas os pedidos realizados em território nacional, cuja previsão de duração é de 30 dias. Quando um pedido é apresentado em posto de fronteira, o processo desta primeira fase é simplificado, resultando numa previsão de duração de 7 dias.

Na fase de instrução, é concedida uma autorização de residência provisória (válida por 6 meses, renováveis), que autoriza a continuidade do requerente em território nacional. Nesta fase, é possível juntar mais informações ao processo, como relatórios e observações sobre o país de origem, de modo a melhor instruir o pedido de proteção internacional.

O SEF é responsável por apresentar uma proposta fundamentada sobre a recusa ou a concessão da proteção internacional (estatuto de refugiado ou da proteção subsidiária) ao Ministro da Administração Interna (MAI), que profere a decisão administrativa final sobre o deferimento ou não do pedido. Em caso positivo, o requerente deixa este estatuto e passa a ser reconhecido como um Refugiado ou um Beneficiário de Proteção Subsidiária. Na hipótese de recusa, o requerente será notificado do prazo para abandono voluntário do país, sob pena de incorrer em afastamento nos termos da Lei de Estrangeiros (Lei n.º 23/2007, 04 de julho).

Segundo o art. 28.º, n.º 2, da LA, o prazo de instrução é de 6 meses, podendo, em casos de especial complexidade, ser prorrogado até 9 meses. No entanto, a prática indica um tempo muito superior, que poderá ultrapassar 1 ano[6][7].

Deve-se destacar que, durante todo o procedimento, independentemente do trâmite processual, o requerente terá a possibilidade de impugnar as decisões negativas judicialmente. Ao recorrer das decisões de indeferimento, o requerente não poderá ser afastado do território nacional, devido ao efeito suspensivo da impugnação e dos recursos jurisdicionais em matéria de proteção internacional.

De modo a garantir que os procedimentos judiciais são céleres, não pondo em causa a eficácia na aplicação das consequências que decorrem de decisões negativas – e que implicam, em regra, a expulsão do território nacional -, previu prazos muitos curtos para estes processos – excessivamente curtos, mesmo irrazoáveis, numa solução legislativa que foi depois parcialmente corrigida em 2014. Resta saber se a solução atual alcança o necessário equilíbrio entre as garantias efetivas dos requerentes de asilo – que impõem a apreciação judicial da decisão antes da execução de quaisquer medidas de expulsão – e a necessidade de garantir a tomada e execução de decisões céleres nesta matéria, sob pena de a eficácia do sistema ficar afetada[8].

Ademais, desde o momento da apresentação do pedido de asilo, os requerentes poderão ter acesso às condições materiais de acolhimento, que perdurarão até à decisão final sobre o seu pedido (art. 51.º da LA). Existe, contudo, um requisito legal segundo o qual apenas os requerentes de asilo que não disponham de recursos financeiros têm direito a condições materiais de acolhimento[9].

E, segundo o art. 49.º da LA, o requerente de asilo tem ainda: direito à suspensão do processo de extradição que esteja pendente à data da apresentação do pedido; direito à suspensão do procedimento de afastamento ou expulsão do território nacional; direito ao aconselhamento jurídico em todas as fases do procedimento; direito à informação sobre o processo, os seus direitos e os seus deveres, numa língua que compreenda ou que se presuma compreender; direito a beneficiar de serviços de intérprete aquando do pedido e durante o respetivo procedimento; direito ao apoio judiciário, de acordo com a lei geral; direito à liberdade de circulação em território nacional, com exceção dos pedidos apresentados em postos de fronteira durante a fase de admissibilidade.

Assim, de forma resumida, apresenta-se o instituto do asilo e o seu respetivo procedimento em Portugal para deixar algumas luzes – ou simples ideias – da complexidade deste sistema. E, por ser complexo, deixa lacunas que permitem incorrer em falhas, que serão objeto de estudo e comentários futuros neste blog. Fique atento!


E. DE OLIVEIRA, O Asilo em Portugal – Breves Notas, NOVA Refugee Clinic Blog, Fevereiro 2021, disponível em <https://novarefugeelegalclinic.novalaw.unl.pt/?blog_post=o-asilo-em-portugal-breves-notas>


[1] Emellin de Oliveira é a Coordenadora Executiva da NOVA Refugee Clinic – Legal Clinic, Investigadora no Centro de Investigação em Direito e Sociedade (CEDIS) e Doutoranda em Direito Público (na especialidade de Direito da União Europeia em matéria de migração e asilo) na NOVA School of Law.

[2] Andreia Sofia Pinto Oliveira, O Direito de Asilo Na Constituição Portuguesa: Âmbito de Protecção de Um Direito Fundamental (Coimbra Editora, 2009), 74.

[3] A. Sofia Pinto Oliveira, “Anotação do Artigo 1.o,” in Lei do Asilo – Anotada e Comentada, ed. A. Sofia Pinto Oliveira and Anabela Russo (Libsoa: Petrony, 2019), 11.

[4] Lúcio Sousa and Paulo Manuel Costa, “A Evolução Do Direito de Asilo e Regimes de Proteção a Refugiados Em Portugal,” in O Contencioso de Asilo e Proteção Subsidiária, 2.o (Lisboa: Centro de Estudos Judiciários – CEJ, 2017), 167, http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_O_contencioso_do_direito_de_asilo_e_protecao_subsidiaria_2edicao.pdf.

[5] Lei n.º 27/2008, de 30 de junho, publicada no Diário da República n.º 124/2008, Série I de 2008-06-30

[6] Ana Dias Cordeiro, “Dezenas de Refugiados Esperaram Meses Pelo MAI Para Obter Estatuto,” O Público, January 11, 2019, https://www.publico.pt/2019/01/11/sociedade/noticia/dezenas-refugiados-esperaram-meses-mai-obter-estatuto-1857417.

[7] Importa mencionar que o prazo indicado não se refere ao período pandémico vivido, nem leva em consideração a regularização temporária estabelecida pelo Despacho n.º 3863-B/2020, de 27 de março, e pelo Despacho n.º 10944/2020, de 08 de novembro.

[8] A. Sofia Pinto Oliveira, “Introdução Ao Direito de Asilo,” in O Contencioso de Asilo e Proteção Subsidiária, ed. Ana Celeste Carvalho, Sofia David, and Margarida Reis Abreu (Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2017), 62, http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_o_contencioso_do_direito_de_asilo_e_protecao_subsidiaria.pdf.

[9] Conselho Português para os Refugiados, “Criteria and Restrictions to Access Reception Conditions -,” Asylum Information Database | European Council on Refugees and Exiles, 2020, https://asylumineurope.org/reports/country/portugal/reception-conditions/access-and-forms-reception-conditions/criteria-and-restrictions-access-reception-conditions/.

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About Emellin de Oliveira

Cofundadora e Coordenadora Executiva da NOVA Refugee Clinic, Team Leader do “Grupo de Prática” e da Linha de Investigação “Migração & Transformação Digital”. É também investigadora do Centro de Investigação e Desenvolvimento sobre Direito e Sociedade (CEDIS) e Doutoranda em Direito na NOVA School of Law.