A Diretiva 2013/33/UE e a detenção de requerentes de proteção internacional

Renata Jorge Gomes/ February 24, 2021/

Renata Jorge Gomes[1]

Introdução

A Diretiva 2013/33/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional (reformulação), contém normas em matéria de acolhimento de requerentes de proteção internacional (sejam requerentes de estatuto de refugiado ou de proteção subsidiária) nos Estados-Membros (EM) da União Europeia. Uma das temáticas desenvolvidas na Diretiva é a detenção dos requerentes de asilo, que pelo impacto que tem no direito à liberdade dos migrantes, obedece a variadas condições para poder ser aplicável, tendo de respeitar um vasto leque de parâmetros de modo a não pôr em causa os direitos humanos dos detidos.

Garantias dos Requerentes de Asilo quanto à Detenção

Ao nível do direito internacional, o artigo 31.º da Convenção de Genebra de 1951 dita que não devem ser aplicadas sanções penais em virtude da entrada ou permanência irregular a “refugiados que, chegando diretamente do território no qual a sua vida ou a sua liberdade estavam ameaçadas […], entrem ou se encontrem nos seus territórios sem autorização, desde que se apresentem sem demora às autoridades e lhes exponham razões consideradas válidas para a sua entrada ou presença irregulares”[2].

No âmbito do direito europeu, a Diretiva 2013/33/UE mantém a mesma ideia, ou seja, os Estados-Membros não podem deter um indivíduo somente por este ser requerente de proteção internacional[3]. A Diretiva define a detenção como “qualquer medida de reclusão de um requerente por um Estado-Membro numa zona especial, no interior da qual o requerente é privado da liberdade de circulação”[4].

A detenção é um obstáculo ao direito fundamental à liberdade, direito esse previsto no art. 5.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH). Nesse sentido, esta detenção só deve acontecer em circunstâncias excecionais[5] e somente quando a restrição à liberdade for estritamente necessária. O n.º 1 do mesmo artigo dispõe ainda que “ninguém pode ser privado da sua liberdade”, a menos que essa medida esteja de “acordo com o procedimento legal”. Daqui se depreende a necessidade do direito nacional dos EM estabelecer regras materiais e processuais que determinem quando e em que circunstâncias alguém pode ser detido, regras essas em concordância com a CEDH. 

Especificamente no caso do direito de asilo, a detenção de um requerente só pode ser efetuada se tiver por base uma apreciação individual do caso concreto e nunca arbitrariamente. Só pode ser opção se não for possível aplicar medidas alternativas menos coercivas (como apresentação periódica, caução ou obrigatoriedade de permanecer em determinado lugar) e se se verificar uma das seguintes situações: necessidade de determinar ou verificar a sua identidade ou nacionalidade; determinar os elementos em que se baseia o pedido, quando existe risco de fuga do requerente; para determinar o direito do requerente entrar no território, num caso de procedimento de fronteira; caso o requerente esteja sujeito a um processo de afastamento por permanência irregular e for demonstrado que já teve oportunidade de pedir asilo e apresenta o pedido para atrasar ou frustrar a execução do afastamento; por razões de segurança nacional ou ordem pública; e durante um procedimento de determinação do EM responsável pelo pedido de asilo[6]. A Diretiva prevê ainda, no seu art.8.º/3, que estes fundamentos da detenção dos requerentes sejam previstos no direito nacional de cada EM.

Sendo detido o requerente de asilo, o EM em questão deve assegurar diversas garantias[7]: a duração da detenção deve ser a mais breve possível e só pode ser mantida enquanto  se mantiverem os seus fundamentos; se a detenção for ordenada por autoridade administrativa, a sua legalidade está submetida a controlo judicial, logo se detenção for considerada ilegal, o requerente é libertado imediatamente; os requerentes detidos são informados por escrito, em língua que compreendam ou seja razoável presumir que compreendam, dos motivos da sua detenção, do direito de recurso e do direito a assistência jurídica e, se possível, da representação legal a título gratuito; e a detenção deve ser periodicamente reapreciada por autoridade judicial, oficiosamente ou a pedido do requerente.

As Condições da Detenção

Quando privados da sua liberdade, os requerentes de asilo devem ser tratados de forma humana e digna, de modo a não se colocar seriamente em risco os seus direitos fundamentais, estando assim os EM obrigados a respeitar um vasto conjunto de regras[8]:

  • Deverá haver separação entre os requerentes de asilo e reclusos comuns, tendo os primeiros de ser detidos em instalações especiais ou com espaços bem delimitados se o forem em estabelecimentos prisionais. Todavia, independentemente do seu destino, terão sempre de ter acesso a espaços ao ar livre.
  • A fim de se salvaguardar o seu direito de acesso à justiça e a um procedimento justo, deve ser facilitada a comunicação e visita dos representantes do ACNUR (ou de organizações que atuem em seu nome), familiares, conselheiros jurídicos e afins, que possam auxiliar o requerente.
  • Se forem considerados pessoas vulneráveis ou com necessidades especiais, os EM asseguram o seu acompanhamento e apoio, tendo em consideração a sua situação e a sua saúde.

Como mencionado, a Diretiva 2013/33/UE tem especial atenção ao que a detenção de pessoas vulneráveis diz respeito[9]. Os menores só podem ser detidos em último recurso e a sua detenção deve ser o mais breve possível, devendo ser feitos todos os esforços para os libertar e colocar em alojamentos adequados onde devem ter acesso a atividades de lazer.

A detenção de menores não acompanhados só pode acontecer em circunstâncias excecionais, e nunca em estabelecimentos prisionais onde partilhem espaço com adultos. Assim que essas circunstâncias excecionais se extingam, os EM devem colocar estes menores em instalações de acolhimento adequadas às suas necessidades especiais.

Quanto às famílias, devem estar separadas dos outros detidos, para que seja respeitada a sua privacidade (exceções apenas quando justificadas e durante um período curto, se estiverem detidas num posto de fronteira ou numa zona de trânsito). As mulheres detidas devem estar separadas dos homens, salvo se estes forem familiares ou se todos os envolvidos derem o seu consentimento.

Conclusão

As normas sobre detenção constantes na Diretiva 2013/33/UE espelham claramente a preocupação da União Europeia em assegurar que os seus EM utilizam a detenção de requerentes de asilo apenas como última opção e não como medida de controlo dos fluxos migratórios que atingem os seus territórios.

A matéria da detenção é, assim, caraterizada pela obrigatoriedade de previsão legal na legislação dos EM; critérios de necessidade e proporcionalidade aquando da decisão da medida a aplicar e com a menor duração que for possível; absoluta proibição da detenção arbitrária; e garantias processuais e acesso à justiça.

A Diretiva salienta ainda que a privação da liberdade tem sempre de cumprir garantias em matéria de direitos humanos, com condições de detenção que respeitem a dignidade humana e não ponham a saúde dos detidos em risco.

Há ainda uma especial preocupação com a detenção de pessoas consideradas vulneráveis – sobretudo com os menores não acompanhados – pois esta detenção deverá ser aplicada em situações ainda mais excecionais do que as previamente mencionadas e deve ser dada especial atenção à situação específica de cada uma destas pessoas.

Ainda que a Diretiva 2013/33/UE promova o respeito pelos direitos humanos dos requerentes de proteção internacional, a verdade é que nem sempre os EM asseguram as melhores condições aos detidos, seja por uma questão de infraestruturas pouco preparadas para acolher um elevado número de migrantes, seja até por falta de vontade política em propiciar as melhores condições possíveis.

A liberdade dos requerentes de asilo é, assim, posta em causa em situações em que o não devia ser, sendo estes quase que “punidos” com estas restrições simplesmente pela sua qualidade de migrante, o que não é, de todo, condizente com o direito internacional e europeu, tal como já foi exposto pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em casos como Rusu c. Áustria (2008), Muskhadzhiyeva e outros c. Bélgica (2007) e S.D. c. Grécia (2009).


FORMA DE CITAR:
R.J. GOMES, A Diretiva 2013/33/UE e a detenção de requerentes de proteção internacional, NOVA Refugee Clinic Blog, Fevereiro 2021, disponível em <https://novarefugeelegalclinic.novalaw.unl.pt/?blog_post=a-diretiva-2013-33-ue-e-a-detencao-de-requerentes-de-protecao-internacional>


[1] Mestre em Direito Internacional e Europeu pela NOVA School of Law. Integra a Equipa de Prática da NOVA Refugee Legal Clinic.

[2] ACNUR (2012), Diretrizes sobre os critérios e normas aplicáveis à detenção de requerentes de asilo e as alternativas à detenção; Conselho da Europa, Comité Europeu para a Prevenção da Tortura e das Penas ou Tratamentos Desumanos ou Degradantes (CPT) (2008-2009), 20 Years of Combating Torture: 19th General Report,1 de agosto de 2008-31 de julho de 2009

[3] Art.8.º/1 da Diretiva 2013/33/UE

[4] Art.2.º alínea h da Diretiva 2013/33/UE

[5] O art.5.º/1 da CEDH enuncia uma lista exaustiva das exceções admissíveis para este efeito.

[6] Art.8.º/2 e 3 da Diretiva 2013/33/UE

[7] Art.9.º da Diretiva 2013/33/UE

[8] Art.10.º da Diretiva 2013/33/UE

[9] Art.11.º da Diretiva 2013/33/UE

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About Renata Jorge Gomes

Mestranda em Direito Internacional e Europeu na NOVA School of Law, desenvolvendo uma dissertação na área do direito do asilo, mais concretamente sobre o princípio do non-refoulement e as violações desse mesmo princípio, praticadas pela Líbia e Itália nas suas atividades de cooperação quanto aos fluxos migratórios no Mediterrâneo. É Licenciada em Direito também pela NOVA School of Law.