A Pena Acessória de Expulsão (Pressupostos, Limites e Finalidades) – Parte II

João Athayde Varela/ July 19, 2021/

João Varela[1]

Caio de Mello Ferreira[2]

Diogo Santos Sereno[3]

Otávio de Figueiredo Raupp[4]

RESUMO:

Dentro da categoria dogmática da pena acessória, a pena de expulsão individualiza-se por ser privativa do cidadão estrangeiro, resida ou não, legalmente, em território nacional. De algum modo, a exclusividade que encerra reflete-se no regime jurídico a que está sujeita, designadamente nos seus pressupostos – formais e materiais – e limites. De todas estas dimensões legais da expulsão trata o presente artigo, que conclui com uma breve reflexão sobre a natureza do poder donde ela emana e a razão político-criminal que lhe está subjacente.

PALAVRAS-CHAVE: automaticidade dos efeitos penais; pressupostos da pena de expulsão; limites à expulsão; soberania; finalidades.


II[5]

2.   REGIME DA PENA ACESSÓRIA DE EXPULSÃO

            2.1.  Notas introdutórias

           O regime jurídico substantivo da pena acessória de expulsão está consagrado no art. 151.º  da Lei n.º 23/2007, de 04 de julho (doravante, designada “Lei dos Estrangeiros”), estando em conexão com um processo judicial de natureza criminal. Vale ressaltar que este regime nada tem a ver com o previsto no art. 97.º do Código Penal, tratando-se, neste segundo caso, de pessoa estrangeira inimputável em razão de anomalia psíquica que, tendo praticado um facto ilícito e sendo objeto de uma medida de segurança de internamento, poderá ver esta providência substituída pela sua expulsão[6].

            2.2. Requisitos da pena acessória de expulsão

           A mencionada norma da Lei dos Estrangeiros estabelece requisitos distintos para as quatro situações que prevê.

            A primeira refere-se ao cidadão estrangeiro não residente no país (n.º 1), em que o pressuposto formal é  a condenação por crime doloso em pena superior a seis meses de prisão efetiva ou em pena de multa alternativa à pena de prisão, mas, também, de duração superior a seis meses[7]. Por outro lado, nesta como em qualquer das outras situações, a expulsão não pode afirmar-se como consequência automática da aplicação da pena principal (princípio da não automaticidade), exigindo-se que o juiz pondere a necessidade dessa consequência jurídico-penal acessória, designadamente à luz dos princípios constitucionais da culpa e proporcionalidade lato sensu

           A segunda situação liga-se ao cidadão estrangeiro que tenha residência temporária[8] ou provisória[9] no país (n.º 2), pressupondo-se, agora, que a pena de prisão aplicada por crime doloso seja superior a um ano. Ademais, e para além dos critérios materiais acima enunciados, o legislador faz referência expressa a  uma série de elementos a ponderar in casu, tais como o grau de inserção na vida social  e o tempo de residência em Portugal.

           A terceira hipótese prende-se com a expulsão de um cidadão estrangeiro com residência permanente[10] no país (n.º 3). Não obstante o pressuposto formal ser o mesmo da situação anterior, a conduta ilícita deve constituir, neste caso, um perigo ou ameaça graves para a ordem pública, segurança ou defesa nacional. Estamos, assim, diante de um conjunto de conceitos indeterminados, tornando axial uma ponderação casuística por parte do juiz, particularmente dificultada em virtude de os tribunais superiores portugueses nunca se terem pronunciado sobre a matéria. Vale ainda ressaltar que, na segunda alteração legislativa (que introduz a redação atual)[11], alarga-se o âmbito de aplicação da norma, aumentando, destarte, a sua indeterminação: efetivamente, na redação inicial, releva apenas a conduta que “constitua uma ameaça suficientemente grave para a ordem pública ou segurança pública”.  

           A quarta e última situação refere-se ao cidadão estrangeiro residente de longa duração[12]. O pressuposto formal é igual ao das segunda e terceira hipóteses: condenação por crime doloso em pena de prisão efetiva superior a um ano, agravando-se, porém, os requisitos materiais da expulsão, já que se exige que o cidadão em causa represente uma ameaça real e suficientemente grave para a ordem ou segurança pública, com exclusão de razões económicas, devendo ainda ser tidas, especialmente, em consideração a idade do condenado e a ausência de laços afetivos com o país de origem (cfr. art. 136.º da Lei dos Estrangeiros).

           Apesar de conterem pressupostos distintos, há pressupostos semelhantes partilhados por todas as situações, i.e, a pena acessória de expulsão não é nunca de aplicação automática, ou seja, não é um corolário da pena principal[13], sendo sempre imperiosa uma avaliação criteriosa por parte da autoridade judicial.

           Além disso, pode-se notar pela leitura do art. 151.º uma clara discriminação entre o estrangeiro residente e não-residente, estando o primeiro protegido por requisitos mais exigentes de aplicação da pena acessória de expulsão. Isto se deve ao facto de a residência compreender, em princípio, uma relação mais estreita entre “indivíduo” e “local”, maxime em virtude da constituição de um vínculo social (e muitas vezes económico) mais forte com a comunidade de acolhimento[14], gerador de um sentimento de pertença. Como já foi referido, a residência não é uma mera situação factual, mas um conceito jurídico devidamente previsto e caracterizado na Lei dos Estrangeiros.

           Nestes níveis de exigência mais elevados, há certos elementos que devem ser tidos, especialmente, em conta pelo juiz aquando da aplicação da pena acessória de expulsão, tais como a gravidade dos factos praticados pelo arguido, a sua personalidade, a eventual reincidência, o grau de inserção na vida social, a prevenção especial e o tempo de residência em Portugal[15].

            2.3. Quando se executa a pena acessória de expulsão?

           Em sede de execução da pena acessória de expulsão, vigora, atualmente,, o regime constante dos artigos 188.º-A a 188.º-C, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas de Liberdade (doravante, CEPMPL), aditado a este Código pela Lei n.º 21/2013, de 21 de fevereiro, e que revoga, tacitamente, o artigo 151.º, ns.º 4 e 5, da Lei dos Estrangeiros.

           Assim, após ter sido decretada a pena acessória de expulsão pela autoridade judicial, esta não é executada, de imediato, devendo o juiz de execução ter em conta a duração da pena principal aplicada: (1) se a pena for superior a cinco anos de prisão, o juiz deve ordenar a respectiva execução cumpridos dois terços da pena[16]; todavia, (2) se a pena for igual ou inferior a cinco anos de prisão, o juiz deve ordenar a sua execução após se cumprir metade da pena[17].

           Entretanto, há ainda a possibilidade de antecipação da execução da pena de expulsão. São os seguintes os pressupostos formais desta antecipação: (1) tratando-se de condenação em pena superior a cinco anos de prisão, se encontre cumprida metade da pena; (2) tratando-se de condenação em pena igual ou inferior a cinco anos de prisão, se encontre cumprido um terço da pena[18]. Portanto, diversamente da situação descrita no parágrafo anterior, que respeita à execução obrigatória da pena de expulsão, a antecipação constitui uma faculdade do juiz de execução, verificados que sejam os pressupostos formais atrás indicados.

           Neste sentido, o juiz, sob parecer fundamentado do diretor do estabelecimento prisional, que tomará a iniciativa ou será convocado para o efeito pelo próprio juiz, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público (MP) ou do condenado, designará a data para a audição do recluso e notificará o defensor e o MP, que devem estar presentes. Nessa audição, e depois de ouvir o recluso sobre todos os aspectos relevantes para a decisão, incluindo o respectivo consentimento à antecipação da execução da pena de expulsão, o juiz dá a palavra ao MP e defensor, que podem, querendo, oferecer as provas consideradas convenientes. Finda a produção da prova, se a houver, o juiz profere decisão verbal, pronunciando-se a favor da antecipação, na hipótese desta se revelar compatível com as exigências de prevenção geral e for de prever que o condenado conduzirá a sua vida, de futuro, sem cometer crimes[19].

            2.4. Cumprimento da decisão judicial de execução da expulsão

           Nos termos do artigo 236.º, Decreto-Lei n.º 51/2011, de 11 de abril (Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais), o diretor do estabelecimento prisional em que o cidadão estrangeiro se encontra deve comunicar ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), com a antecedência de 60 dias, a data previsível de saída do expulsando, assim como o prazo de validade dos respectivos documentos de identificação. Além disso, tal como ocorre tratando-se de medida autónoma de expulsão judicial[20], o cumprimento da decisão de execução da expulsão implicará a inscrição do cidadão em causa na lista nacional de pessoas não admissíveis e no Sistema de Informação Schengen[21].

           Se, por qualquer motivo (v.g., dúvidas quanto à real nacionalidade do expulsando), a saída do estabelecimento prisional não se verificar na data fixada, o cidadão estrangeiro continuará a cumprir a pena de prisão até que os procedimentos de entrega confiados ao SEF estejam, definitivamente, concluídos[22].

           Executada a expulsão e confirmada pelo SEF a saída efetiva do recluso estrangeiro do território nacional, o juiz de execução declara extinta a pena de prisão aplicada[23].

** O PRESENTE CONTRIBUTO CONTA COM UMA TERCEIRA PARTE **


[1] Licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e Doutorado em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Membro integrado do CEDIS e team leader do Grupo Migrações & Poder Punitivo do Estado da NOVA – Refugee Clinic.

[2] Aluno do 4.º ano de Licenciatura da NOVA School of Law e membro do Grupo Migrações & Poder Punitivo do Estado da NOVA – Refugee Clinic.

[3] Aluno do 3.º ano de Licenciatura da NOVA School of Law. Atualmente, Presidente da Associação de Estudantes da NOVA School of Law Students’Union e membro do Grupo Migrações & Poder Punitivo do Estado da NOVA – Refugee Clinic.

[4] Aluno do 3.º ano de Licenciatura da NOVA School of Law e membro do Grupo Migrações & Poder Punitivo do Estado da NOVA – Refugee Clinic.

[5] Esta segunda parte integra-se num estudo mais extenso, dividido em três partes e com o mesmo título: “A pena acessória de expulsão (pressupostos, limites e finalidades)”, estando a primeira delas já publicada no blog NOVA – Refugge Clinic (junho 30, 2021).

[6] Não sendo esta medida substitutiva da expulsão exequível por si mesma e não tendo ela sido regulada na atual e anteriores “Lei dos Estrangeiros”, mantém-se a sua inaplicabilidade.

[7] A duração concreta da pena de multa é função da culpa do agente e das exigências de prevenção postas pela situação sub judice (cfr. art. 47.º, n.º 1, CP).

[8] Diz-se temporária a autorização de residência válida por um ano, mas renovável por períodos sucessivos de dois anos (cfr. art. 75.º, n.º 1, Lei dos Estrangeiros).

[9] A residência provisória é concedida ao requerente de proteção internacional, assim que o respectivo pedido é admitido (cfr. art. 27.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho).

[10] Diversamente da residência temporária, a residência permanente não tem limite de validade, devendo, todavia, o seu beneficiário renovar o respectivo título de cinco em cinco anos (cfr. art. 76.º da Lei dos Estrangeiros).

[11] Lei n.º 56/2015, de 23 de junho.

[12] A residência de longa duração é outorgada a requerimento do interessado por quem, entre outras condições, tenha residido, legal e ininterruptamente, em território nacional, durante os cinco anos imediatamente anteriores à apresentação daquele requerimento (cfr. art. 126.º, n.º 1, al. a), Lei dos Estrangeiros).

[13] Acórdão do STJ de 25-02-1999, Proc. n.º 98P1472.

[14] Acórdão do STJ de 06-03-2014, Proc. n.º 44/13.2JELSB.L1.S1.

[15] Acórdão do TRL de 13-02-2019, Proc. n.º 47/18.0JELSB.L1-3. Cfr., também, art. 151.º, n.º 2, da Lei dos Estrangeiros.

[16] Cfr. art. 188.º-A, n.º 1, al. b), CEPMPL.

[17] Cfr. art. 188.º-A, n.º 1, al. a), CEPMPL.

[18] Cfr. art. 188.º-A, n.º 2, CEPMPL.

[19] Cfr. art. 188.º-B, CEPMPL.

[20] Cfr. art. 157.º, n.º 2, da Lei dos Estrangeiros.

[21] Cfr. art. 82.º, n.º 3, Decreto Regimental n.º 84/2007, de 5 de novembro (Regulamento da Lei dos Estrangeiros). O Sistema de Informação Schengen visa preservar a segurança interna europeia através da cooperação dos Estados-Parte em três diferentes áreas: (1) controlo de fronteiras, (2) aplicação do Direito e (3) registo de veículos.

[22] Cfr. Acórdão do STJ de 26 de julho de 2019, Proc. n.º 299/17.3TXEVR-G.S1.

[23] Cfr. art. 138.º, n.º 4, al. e), CEPMPL.


COMO CITAR ESTE BLOG POST
Varela, João Athayde; Ferreira, Caio de Melo; Sereno, Diogo Santos; Raupp, Otávio Figueiredo. “A Pena Acessória de Expulsão (Pressupostos; Limites e Finalidades) – Parte II”. NOVA Refugee Clinic Blog, Setembro 2021, disponível em <https://novarefugeelegalclinic.novalaw.unl.pt/?blog_post=a-pena-acessoria-de-expulsao-pressupostos-limites-e-finalidades-parte-ii>

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About João Athayde Varela

Licenciado em Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Pós-graduou-se pelo Instituto de Direito Penal Económico e Europeu da mesma Faculdade e Doutorado em Ciências Jurídico-Criminais pela Nova School of Law.