Breves notas acerca dos direitos laborais dos trabalhadores imigrantes em Portugal

Jean Cajaty/ August 2, 2021/

Jean Cajaty[1]

Resumo

De acordo com os dados cedidos pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) em 2020[2], o número de estrangeiros em Portugal totalizava, neste mesmo ano, 662.000 pessoas – 12% a mais face ao ano anterior -, com destaque para a comunidade brasileira, que representa 35% do total de imigrantes. Ademais, verifica-se que mais de 50% do total de autorizações de residência foram concedidas ao abrigo do art. 88.° da Lei de Estrangeiros (“Autorização de residência para exercício de atividade profissional subordinada”) e para cidadãos da União Europeia (UE)[3]. Neste contexto, as disposições jurídicas protetivas dos trabalhadores imigrantes ganham especial relevância. Assim, o presente artigo, após uma breve introdução acerca da inserção dos estrangeiros no mercado de trabalho, centrar-se-á na análise de alguns artigos do Código do Trabalho (CT) relevantes para esta matéria.

Palavras-chave: Trabalhadores imigrantes; direitos laborais; estrangeiros.


Inserção no mercado de trabalho

Por regra geral, qualquer cidadão de um país estrangeiro que queira estabelecer-se por algum tempo no nosso país deve possuir, ainda antes de entrar em território nacional[4], um visto de residência adequado à finalidade da sua permanência. Caso a finalidade seja trabalhar em Portugal, importa referir os seguintes artigos da Lei de Estrangeiros (LE): art. 59.º (“Visto de residência para exercício de atividade profissional subordinada”); art. 60.º (“Visto de residência para exercício de atividade profissional independente ou para imigrantes empreendedores”); 61.º (“Visto de residência para atividade docente, altamente qualificada ou cultural”) e 61.º – A (“Visto de residência para atividade altamente qualificada exercida por trabalhador subordinado”).

Os requisitos gerais de obtenção de autorização de residência estão contidos no art. 77.º do suprarreferido diploma. Todavia, deve-se analisar, para além destes requisitos (art. 77.º), os requisitos especiais contidos nos seguintes artigos – que variam consoante o tipo de autorização requerida: 88.º (“Autorização de residência para exercício de atividade profissional subordinada”), 89.º (“Autorização de residência para exercício de atividade profissional independente ou para imigrantes empreendedores”) e 90.º (“Autorização de residência para atividade de docência, altamente qualificada ou cultural”).

Código do Trabalho

Importa salientar que o art. 15.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) consagra o “Princípio da Equiparação”: os estrangeiros e apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres do cidadão português – pelo menos quanto a um certo número de direitos fundamentais[5]. Ou seja, a CRP não distingue entre os estrangeiros legalmente residentes e os estrangeiros que apenas se encontrem em Portugal, i. é, sem ter um título de residência válido que autorize a sua permanência em território nacional (encontrando-se, portanto em situação administrativa irregular). Neste sentido, Jorge Miranda e Jorge Medeiros, na sua Constituição Portuguesa Anotada, referem que a CRP estabelece, a par da equiparação entre as situações jurídicas de cidadãos, por um lado, e estrangeiros ou apátridas, por outro, uma outra equiparação, agora entre os estrangeiros que apenas se encontram em Portugal e aqueles que possuem residência no país[6].

  1. Art. 4° do CT

Como consequência direta da prescrição do artigo supracitado, o art. 4.º do CT estatui o “princípio da igualdade de tratamento de trabalhador estrangeiro ou apátrida”. No essencial, esse princípio consagra que um trabalhador estrangeiro deve receber o mesmo tratamento concedido a um nacional – o que não impede que sejam aplicadas restrições, desde que devidamente fundamentadas.

Tal significa, ainda, que os direitos e deveres previstos no CT (art. 126.º a 129.º),  bem como outras garantias especiais – egs., direitos de personalidade (art. 14.º a 22.º); proteção da parentalidade (art. 33.º a 65.º); disposições relativas ao trabalho de menores (art. 66.º a 83.º); formação profissional (art. 130.º a 134.º); formalidades relativas ao despedimento nas suas diversas modalidades (art. 351.º e segs.); regulamentação do acidente de trabalho (art. 281.º a 284.º), etc. -, são aplicáveis aos trabalhadores estrangeiros, sendo absolutamente proibido qualquer tipo de tratamento discriminatório, i. é, qualquer diferenciação de tratamento que não se justifique com base em parâmetros objetivos e razoáveis.

Note-se, contudo, que a aplicação deste regime está subordinada à seguinte condição: “[…] que esteja autorizado a exercer uma atividade profissional […]”. Coloca-se, portanto, a questão de saber se este regime apenas vale, interpretando o referido artigo de forma literal, somente para aqueles casos em que o estrangeiro ou apátrida está autorizado a trabalhar em Portugal ou se, por outro lado, pode ser aplicado a qualquer um desses casos desde que haja uma relação de trabalho.

Neste sentido, a doutrina divide-se. Uma minoritária querela doutrinária, representada, dentre outros, pelo Prof. Pedro Romano Martinez, defende que o art. 4.º só poderá ser aplicado na sua totalidade para os casos em que o estrangeiro ou apátrida tiver autorização de trabalho. Assim, nos demais casos, gozarão apenas de regras básicas de tutela, como aquelas relativas à reparação de acidentes de trabalho[7]. Por outro lado, como já foi dito, outra parte da doutrina acolhida, dentre outros, pelo Prof. Jorge Miranda defende que o art. 15º da CRP, fonte última do art. 4º do CT, não só estatui a equiparação entre nacionais e estrangeiros autorizados a residir no território como também equipara estes últimos aos meros residentes. Ora, quer isto dizer que o intérprete deve ler o art. 4.º à luz do referido preceito, aplicando-o de uma forma não tão restrita como a primeira querela doutrinária vem a defender, mas – e principalmente – recorrendo a uma interpretação conforme a Constituição[8].

  1. Art. 5° do CT

Por sua vez, o art. 5.º versa sobre a forma e o conteúdo do contrato de trabalho com estrangeiro ou apátrida. É aplicável a totalidade dos estrangeiros e apátridas, com exceção daqueles abrangidos pelo número 6 deste mesmo artigo[9]. Nele, constata-se uma série de formalidades às quais este tipo de contrato está subordinado. Para além do contrato ter de ser reduzido a escrito, sob pena de ser considerado nulo[10], nele devem também constar os seguintes dados: (i) identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes; (ii) referência ao visto de trabalho ou ao título de autorização de residência ou permanência do trabalhador em território português; (iii) actividade do empregador; (iv) actividade contratada e retribuição do trabalhador; (v) valor, periodicidade e forma de pagamento da retribuição; (vi) datas da celebração do contrato e do início da prestação de actividade.

Para mais, a lei exige que sejam apensados os documentos comprovativos do cumprimento das obrigações legais relativas à entrada e à permanência ou residência do cidadão estrangeiro ou apátrida em Portugal[11]. Neste sentido, Paula Quintas e Helder Quintas apontam[12] que esta norma determina a entrega dos documentos originais por parte do trabalhador para que o empregador possa comprovar o cumprimento das obrigações acima referidas. Desta forma, parece razoável afirmar que isso coloca o trabalhador em uma situação de vulnerabilidade, visto que não estará mais munido dos seus documentos originais[13].

O empregador também deve comunicar à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) a celebração do contrato – antes do início da sua execução -, bem como a sua cessação, até 15 dias depois desta[14].

Por fim, por força do número 7, a violação dos números 1, 3, 4 ou 5 constitui uma contraordenação grave.

  1. Outros artigos

Mostram-se, igualmente, relevantes para esta matéria as disposições gerais relativas a igualdade e não discriminação, avultando-se os artigos 23. ° (“Conceitos em matéria de igualdade e não discriminação”), 24.° (“Direito a igualdade no acesso ao emprego e ao mercado de trabalho”) e 25.° (“Proibição de discriminação”) do Código do Trabalho[15]. Destes preceitos, extrai-se o princípio do salário igual por trabalho igual – corolário do princípio da igualdade -, de acordo com o qual deve haver igualdade salarial para os trabalhadores que exercem funções da mesma natureza, qualidade e quantidade, sendo proibido, portanto, qualquer tipo de diferenciação arbitrária – i.é, que não esteja alicerçada em critérios objetivos e razoáveis –[16].

Para além disso, cumpre destacar que, nos termos do art. 25.°, n.° 5,  quem alega a discriminação deve apenas “indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer factor de discriminação”. Por outras palavras, há nestes casos uma inversão do ónus da prova – a favor do trabalhador – quanto ao nexo causal[17].

Conclusão

Com base em todo o exposto, conclui-se que em Portugal vigora o princípio constitucional da equiparação de direitos, segundo o qual “os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português”[18]. Destarte, o artigo 4.° do Código do Trabalho deve ser lido à luz deste preceito, sendo aplicável tanto para estrangeiros em situação regular quanto para aqueles que se encontrem em uma situação administrativa irregular[19], desde que seja demonstrada a existência de uma relação de trabalho[20].

Regra geral, os contratos de trabalho não estão sujeitos a uma forma especial[21]. Todavia, constata-se que os contratos celebrados com um trabalhador estrangeiro ou apátrida devem – para além das especificidades existentes quanto ao conteúdo – ser reduzidos a escrito, padecendo de nulidade no caso de sua inobservância[22].


[1] Aluno de licenciatura em Direito a Nova School of Law. É também Presidente do Núcleo de Estudantes Internacionais e aluno voluntário da Pro Bono.

[2] Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo, 2020, p. 26.

[3] Ibidem, p. 29.

[4] Cfr. art. 58.º, n.º 1 da LE: “1 – O visto de residência destina-se a permitir ao seu titular a entrada em território português a fim de solicitar autorização de residência”.

[5] Canotilho, J. J. Gomes; Moreira, Vital. Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I. 4.ª Ed. Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 356.

[6] Cfr. Miranda, Jorge; Medeiros, Rui. Constituição Portuguesa Anotada, vol. I, 2.ª ed., Universidade Católica Editora, Lisboa, 2017, pág. 195.

[7] Cfr. Martinez, Pedro Romano. Direito do Trabalho. 7.ª Ed. Almedina, Coimbra, 2015, p. 399.

[8] Vide notas de rodapé números 3 e 4.

[9] Cfr. Art. 5.º, n.º 6: “(…) não é aplicável a contrato de trabalho de cidadão nacional de país membro do Espaço Económico Europeu ou de outro Estado que consagre a igualdade de tratamento com cidadão nacional em matéria de livre exercício de actividade profissional.”

[10] Nos termos do art. 220° do Código Civil. Para mais, v. nota de rodapé n° 19.

[11] Cfr. Art. 5°, n° 4, do CT.

[12] Cfr. Paula Quintas, Hélder Quintas. Manual de Direito do Trabalho e de Processo do Trabalho, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2012, pág. 270, nota de rodapé n.º 388.

[13] Cfr. Belchior, Andreia Maria Correia. O Estatuto Laboral do Trabalhador Estrangeiro em Portugal. Nova School of Law, 2015, p. 40.

[14] Cfr. Art. 5°, n°. 5 do CT.

[15] Entre nós, os artigos mencionados não apresentam nenhuma inovação, uma vez que o art. 13.° da CRP, mesmo que de forma geral, proíbe qualquer discriminação “em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”.

[16] Cfr. Acórdão do STJ, processo n°. 4521/13.7TTLSB.L1.S1, 14/12/2016.

[17] Ibidem.

[18] Cfr. Art. 15°, n° 1, da CRP.

[19] Por mais que esta posição doutrinária se estabeleça como maioritária em nosso ordenamento jurídico, observam-se decisões em contrário nos nossos tribunais, como no processo n°. 773/06.7TTAVR.C1: “Isso mesmo resulta do disposto no artº 87º do C. T., quando determina que “o trabalhador estrangeiro que esteja autorizado a exercer uma actividade profissional subordinada em território português goza dos mesmos direitos e está sujeito aos mesmos deveres do trabalhador com nacionalidade portuguesa”, ou seja, para que o trabalhador estrangeiro beneficie do regime específico do C.T., maxime o que resulta da caracterização jurídica da relação como de trabalho subordinado é necessário que esteja autorizado a exercer a sua actividade em território nacional […]”.

[20] Refletindo a visão da doutrina maioritária, v. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n°.

8933/2004-5.

[21] Cfr. Art. 110° do CT.

[22] Neste sentido, figura-se como ponto pacífico em nossa jurisprudência o entendimento de que a forma nestes contratos se configura como uma “formalidade ad substantiam”: i.e, na ausência desta forma, o negócio será nulo. Para mais, v. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n°. 6197/2007-4, de 07/12/2007.


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Cajaty, João. “Breves notas acerca dos direitos laborais dos trabalhadores imigrantes em Portugal”. NOVA Refugee Clinic Blog, Agosto 2021, disponível em <https://novarefugeelegalclinic.novalaw.unl.pt/?blog_post=breves-notas-acerca-dos-direitos-laborais-dos-trabalhadores-imigrantes-em-portugal>

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  • Estudante do 3.° ano de Direito na NOVA School of Law. É também Presidente do Núcleo de Estudantes Internacionais e voluntário do programa Pro Bonno.

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