A luta contra a imigração ilegal na união europeia: a FRONTEX

João Athayde Varela/ January 24, 2022/

João Varela[1] 

RESUMO: tendo por base a história mais recente da Guarda Europeia de Fronteiras e Costeira (FRONTEX), deduz-se (criticamente) a construção progressiva de um espaço europeu que privilegia a segurança (interna e externa), em detrimento das suas outras dimensões de liberdade e justiça.

PALAVRAS-CHAVE: fronteiras externas; operações conjuntas; imigração ilegal; regresso forçado; espaço europeu de liberdade, segurança e justiça.


  1. Introdução

            Como é sabido, são peças fundamentais do Acervo de Schengen o Acordo de Schengen, assinado, em 14 de junho de 1985, pela Alemanha, Bélgica, França, Luxemburgo e Países Baixos, e a Convenção de Schengen, que complementa o sobredito acordo e define as condições e garantias de um espaço sem controlos das fronteiras internas. Estes e os demais documentos que integram o dito acervo passam a fazer parte, em 1997[1], do quadro legal da União Europeia (UE) e contam hoje com a adesão, não só dos respectivos Estados-Membros (à exceção da Irlanda)[2], mas ainda de quatro outros países europeus: Islândia, Noruega, Suíça e Listenstaine.

            Diz-se, todavia, que a abertura das fronteiras internas a qualquer pessoa, independentemente da sua nacionalidade, tem como corolário indispensável um reforço acrescido e progressivo dos controlos das fronteiras externas, em ordem a garantir, intramuros, um elevado nível de segurança. Neste sentido, prevê-se a adopção, entre outras medidas, de providências legislativas destinadas à luta contra a “imigração clandestina e residência ilegal, incluindo o afastamento e o repatriamento de residentes em situação ilegal”[3].

            Dentro deste âmbito político-normativo, assume particular relevância a Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira (FRONTEX), cujas competências fiscalizadoras e repressivas saíram reforçadas após a publicação do Regulamento (UE) 2019/1896 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2019.

  • O novo perfil da FRONTEX

            Criada através do Regulamento (CE) 2007/2004, de 26 de outubro de 2004, a FRONTEX – acrónimo do órgão designado Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas dos Estados-Membros da União Europeia – assume o objetivo de melhorar a coordenação da cooperação operacional entre Estados-Membros em matéria de gestão das fronteiras externas, incluindo o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular[4]. Trata-se, portanto, de uma instância especializada de apoio técnico-logístico aos Estados-Membros, incumbindo, em todo o caso, a estes últimos a responsabilidade pelo controlo e vigilância das suas próprias fronteiras externas[5].  À data da sua entrada em funcionamento: 1 de maio de 2005, na cidade de Varsóvia, conta apenas com 45 funcionários, 60% operacionais e 40% administrativos.

            Passados cerca de uma dúzia de anos e após várias alterações destinadas ao reforço e alargamento das respectivas competências e atribuições[6], o Regulamento (UE) 2016/1624 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de setembro de 2016, promove a conversão da anterior Agência europeia de cooperação numa Guarda Europeia de Fronteiras e Costeira (GEFC)[7], dotada de amplos recursos humanos[8], materiais e financeiros. Está, sobretudo, em causa a implementação de uma resposta rápida e eficaz ao aumento exponencial, em 2015, de ataques terroristas transnacionais[9]e à acrescida pressão, no decurso do mesmo ano, dos fluxos migratórios. 

            Assim, a nova FRONTEX deverá, não apenas dar continuidade ao tipo de operações já realizadas (incluindo as de regresso forçado), como fazer frente a situações que exijam uma ação urgente nas fronteiras externas, sem ignorar o apoio técnico-operacional às intervenções de busca e salvamento de pessoas em perigo no mar. Adopta-se, por outro lado, um conceito alargado de gestão integrada das fronteiras externas, que compreende, além das dimensões tradicionais – designadamente, a prevenção da criminalidade transfronteiriça, incluindo a facilitação da passagem não autorizada da fronteira -, o controlo de “movimentos secundários irregulares de nacionais de países terceiros na União” e as análises de risco, com especial ênfase na situação em países terceiros vizinhos ou outros, identificados como países de origem e/ou de trânsito de imigração ilegal[10]. No que respeita, em especial, às fronteiras marítimas, a respectiva vigilância abrange um amplo leque de funções, integrando tarefas um tanto inesperadas, tais como a proteção do ambiente ou o controlo das pescas. 

            Existe, todavia, uma área que merece um tratamento especial, na sequência do alargamento do mandato da FRONTEX solicitado pelo Conselho Europeu, em 15 de outubro de 2015: é a do regresso de migrantes aos países de origem, passando aquele órgão a ter o direito de organizar, por iniciativa própria, operações conjuntas de regresso, além do apoio já prestado para o mesmo fim aos Estados-Membros, que deverá ser intensificado. Acresce a obrigação de criar reservas de agentes de controlo de regressos forçados, de escoltas de regresso forçado e de peritos em regresso forçado[11].

            Por último, uma das atribuições da FRONTEX traduz-se na “avaliação da capacidade e do estado de preparação dos Estados-Membros para enfrentarem ameaças e desafios nas fronteiras externas”[12]. Destarte, sendo detetadas vulnerabilidades, nomeadamente a insuficiência de respostas a uma potencial chegada de um grande número de pessoas no seu território, “o diretor-executivo convida os Estados-Membros em causa a tomarem as medidas necessárias”[13]. Na hipótese destas não serem aplicadas, o conselho de administração adota, sob proposta do referido diretor, uma decisão vinculativa, devendo este órgão social, em caso de o incumprimento persistir findo o prazo estabelecido, notificar o Conselho e a Comissão[14]. De seguida, poderá o Conselho, tendo por base uma proposta da Comissão, que ouvirá para este efeito a FRONTEX, determinar, por meio de um ato de execução, as providências a realizar, obrigando ainda o Estado-Membro implicado a cooperar nessa realização[15]. É dizer que se assiste, agora, a uma certa comunitarização das decisões em matéria de gestão das fronteiras externas, em ordem à preservação da segurança interna da UE como espaço de livre circulação[16].

            3.   Regulamento (UE) 2019/1896 do Parlamento Europeu e do Conselho,             de 13 de novembro de 2019

            Com a entrada em vigor do Regulamento em epígrafe, a FRONTEX passa a dispor de um corpo permanente (CP), cujo processo de recrutamento se inicia em outubro de 2019 com a abertura de convite para 700 guardas de fronteira. Todavia, em conformidade com o anexo I do mesmo Regulamento, prevê-se que o CP possa atingir, a partir de 2027, uma capacidade de 10 000 efetivos operacionais, desdobrável em quatro categorias, a saber: a) pessoal estatutário, que é composta pelo pessoal empregado pela FRONTEX[17] a destacar como membros das equipas em zonas operacionais para desempenhar aí funções de guarda de fronteira ou relacionadas com o regresso, que requeiram o exercício de poderes executivos: verificação da identidade e nacionalidade, registo das impressões digitais das pessoas detidas por ocasião da passagem irregular de uma fronteira externa, escolta de nacionais de países terceiros sujeitos a procedimentos de regresso forçado, etc…[18]b) pessoal destacado por período de longa duração, que integra as pessoas destacadas pelos Estados-Membros para membros das equipas de operações conjuntas, incluindo as intervenções rápidas nas fronteiras e as intervenções de regresso, por um período inicial de 24 meses, que pode ser prorrogado uma vez por mais 12 ou 24 meses, partilhando as funções e os poderes do pessoal estatutário[19]c) pessoal disponibilizado por períodos de curta duração, sendo este pessoal operacional disponibilizado pelos Estados-Membros por um período de até 4 meses por ano civil, que poderá ser excedido mediante decisão do Estado-Membro de origem[20]d) reserva de reação rápida, incluindo-se aí pessoal operacional disponibilizado pelos Estados-Membros e destinado apenas a ações rápidas nas fronteiras, que só atuará desde que todo o outro pessoal operacional tenha já sido destacado para a intervenção em causa[21].   

  • Conclusões

            Sem ignorar o papel fundamental desempenhado pela FRONTEX na assistência técnica e operacional em operações de busca e salvamento de pessoas em perigo no mar, contribuindo, destarte, para o seu resgate de uma morte, praticamente, certa, a verdade é que ela dispõe hoje de uma força (armada) de segurança, numerosa e polivalente, incumbida, entre outras funções, de promover o combate à entrada ilegal de nacionais de países terceiros na UE, nomeadamente através da organização e/ou coordenação de operações conjuntas de regresso forçado desses cidadãos estrangeiros.

            É, afinal de contas, a construção de um espaço europeu, que tem muito de segurança, mas menos de liberdade e justiça.


[1]  Investigador Doutorado Integrado no Centro de I&D sobre Direito e Sociedade (CEDIS) e Team Leader da Linha de Investigação “Migração & Poder Punitivo do Estado” na NOVA Refugee Clinic – Legal Clinic.

[1] Através de Protocolo anexo ao Tratado de Amesterdão, procede-se à integração do Acervo de Schengen no âmbito da União Europeia.

[2] Existem, todavia, quatro Estados-Membros – Bulgária, Croácia, Chipre e Roménia – que ainda não aplicam a totalidade do acervo Schengen, designadamente no que respeita à supressão dos controlos das respectivas fronteiras internas.

[3] Cfr. art. 79.º, n.º 2, al. c), Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

[4] Neste último sentido, é função da FRONTEX “facultar aos Estados-Membros o apoio necessário no âmbito da organização de operações conjuntas de regresso” [cfr. art. 2.º, n.º 1, al. f), Regulamento (CE) 2007/2004 do Conselho].

[5] Cfr. art. 1.º, n.º 2, Regulamento (CE) 2007/2004 do Conselho.

[6] Estas alterações estruturais e de missão são introduzidas, respectivamente, pelo Regulamento (CE) 863/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, e Regulamento (UE) 1168/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011.

[7] Nos termos do art. 3.º, n.º 1, Regulamento (UE) 2016/1624 do Parlamento Europeu e do Conselho, “a Guarda Europeia de Fronteiras e Costeira é constituída pela Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira (“Agência”) e pelas autoridades nacionais dos Estados-Membros responsáveis pela gestão das fronteiras, incluindo as guardas costeiras na medida em que realizem controlos nas fronteiras”. 

[8] É criada, entre outras, uma reserva de reação rápida constituída por um mínimo de 1500 guardas de fronteira e outro pessoal competente.

[9] A European Union Terrorism Situation and Trend Report (TE-SAT) 2016, p. 10, relata que “ o número de ataques aumentou ligeiramente em 2015 em comparação com 2014. Um total de 211 ataques falhados, frustrados ou concluídos foram comunicados por seis Estados-Membros e quase metade deles (103) pelo Reino Unido. Os ataques resultaram em 151 mortes: 148 na França, duas na Dinamarca e uma na Grécia. Estes números são marcadamente superiores aos de 2014, quando quatro pessoas morreram e seis ficaram feridas” (tradução livre). Destes acontecimentos, certamente o mais mediático foi o atentado terrorista contra o jornal satírico francês Charlie Hebdo, em 7 de janeiro de 2015, tendo sucumbido, nesta ocasião, 14 pessoas, parte das quais pertencentes à redação do jornal em causa.

[10] Cfr. art. 4.º, Regulamento (UE) 2016/1624 do Parlamento Europeu e do Conselho.

[11] Cfr., respectivamente, als. l) e n), n.º 1, art. 8.º, Regulamento (UE) 2016/1624 do Parlamento Europeu e do Conselho.

[12] Cfr. art. 8.º, n.º 1, al. b), Regulamento (UE) 2016/1624 do Parlamento Europeu e do Conselho.

[13] Cfr. art. 13.º, n.º 6, Regulamento (UE) 2016/1624 do Parlamento Europeu e do Conselho.

[14] Cfr. art. 13.º, n.º 8, Regulamento (UE) 2016/1624 do Parlamento Europeu e do Conselho.

[15] Cfr. art. 19.º, n.º 1, Regulamento (UE) 2016/1624 do Parlamento Europeu e do Conselho.

[16] Assim, também ACOSTA PENCO, Mª Teresa. “La Guardia Europea de Fronteras y Costas. Un nuevo FRONTEX?”, em Revista de Estudios Europeos, n.º 71, janeiro-junho, 2018, p. 100.

[17] Cfr. art. 2.º (15), Regulamento (UE) 2019/1896 do Parlamento Europeu e do Conselho. De acordo com o previsto no art. 95.º, n.º 3, do mesmo Regulamento, o pessoal estatutário é contratado por um período inicial fixo de cinco anos, podendo este contrato ser renovado uma única vez, por um período máximo fixo de cinco anos. Qualquer prorrogação subsequente do contrato converte-o em contrato por tempo indeterminado. 

[18] Cfr. art. 55.º, ns.º 1 e 7, Regulamento (UE) 2019/1896 do Parlamento Europeu e do Conselho.

[19] Cfr. art. 56.º, n.sº 1 e 3, Regulamento (UE) 2019/1896 do Parlamento Europeu e do Conselho.

[20] Cfr. art, 57.º, n.º 2, Regulamento (UE) 2019/1896 do Parlamento Europeu e do Conselho.

[21] Cfr. art. 58.º, n.º 1, Regulamento (UE) 2019/1896 do Parlamento Europeu e do Conselho.


COMO CITAR ESTE BLOG POST:

VARELA, João Athayde. “A luta contra a imigração ilegal na União Europeia: a FRONTEX”. NOVA Refugee Clinic Blog, Janeiro 2022, disponível em: https://novarefugeelegalclinic.novalaw.unl.pt/?blog_post=a-luta-contra-a-imigracao-ilegal-na-uniao-europeia-a-frontex

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About João Athayde Varela

Licenciado em Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Pós-graduou-se pelo Instituto de Direito Penal Económico e Europeu da mesma Faculdade e Doutorado em Ciências Jurídico-Criminais pela Nova School of Law.