A formação como ferramenta de acolhimento e integração

Inês Freire dos Santos/ January 24, 2022/

Inês Freire dos Santos[1]

Resumo

O Plano Nacional de Implementação do Pacto Global das Migrações, aprovado em 20 de agosto de 2019 definiu um conjunto de medidas para uma resposta nacional em matéria de migrações, nomeadamente, a publicação da Portaria n.º 183/2020, de 5 de agosto, que cria os cursos de Português Língua de Acolhimento.

A língua é uma das principais barreiras ao acolhimento e à integração de refugiados. A integração social e cultural requer o domínio de vários conhecimentos, não só linguísticos, mas atualmente, também digitais. Importa, desta forma, analisar a importância da formação para os refugiados em Portugal e a possível evolução destes programas. 

Palavras-chave: refugiados; formação; acolhimento; língua portuguesa; digitalização 


Introdução

A língua é, na maioria dos casos de requerentes de asilo ou refugiados, uma barreira à integração e ao acolhimento. As dificuldades podem revelar-se ao nível administrativo, na comunicação com os técnicos, na relação com as instituições e serviços, e inclusive na prestação de cuidados médicos. O ensino da língua portuguesa é a primeira barreira a superar, sendo uma ferramenta essencial. A primeira área de suporte através da formação deverá ser a língua. 

O Instituto do Emprego e da Formação Profissional (doravante IEFP) disponibiliza cursos de Português Língua de Acolhimento[2], permitindo o desenvolvimento da capacidade de expressão e compreensão da língua, mas igualmente facilitando o processo de integração social, profissional e cívico. Estas formações podem representar uma primeira linha de formação, que possibilitará uma evolução formativa futura, ou o reconhecimento das habilitações adquiridas no estrangeiro. Adquirir a competência linguística possibilitará a procura ativa de emprego e uma maior integração social e cultural. Importa acompanhar a implementação destes programas, analisando o seu impacto atual, mas também uma possível evolução dos mesmos, possibilitando a criação de uma rede de suporte formativa cada vez mais diversificada e orientada para o acolhimento e integração. 

Na integração e acolhimento, a formação profissional, o reconhecimento de competências e a inserção no mercado de trabalho são as maiores preocupações que os refugiados e migrantes apresentam. Perante pessoas tão diferentes, com idades, antecedentes académicos, experiências de vida e expectativas tão diferentes, importa encontrar soluções inovadoras, que possibilitem a integração e evolução na sociedade[3].

  1. Cursos de Português Língua de Acolhimento 

Estas formações estão acessíveis aos migrantes, com idade igual ou superior a 18 anos, cuja língua materna não é a portuguesa e/ou que não detenham competências básicas, intermédias ou avançadas no domínio desta. De acordo com a legislação (Portaria n.º 183/202): 

«as migrações constituem fator de grande relevância para o desenvolvimento social, cultural, demográfico e económico de Portugal. Não obstante o quadro legislativo nacional bastante favorável à integração de imigrantes, torna-se necessário prosseguir no sentido da sua integração e acolhimento». 

Para estes processos é essencial a formação da língua portuguesa. O Plano Nacional de Implementação do Pacto Global das Migrações foi aprovado através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 141/2019, de 20 de agosto, e definiu um conjunto de medidas de resposta nacional em matéria de migrações, capacitando para a integração e coesão social. Estas formações ao integrarem o Catálogo Nacional de Qualificações (CNQ) dos referenciais de formação, com vários níveis de proficiência linguística do Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas, permite a sua certificação. 

Para a frequência destas formações é necessário os destinatários serem portadores de título de residência, nos termos da legislação nacional aplicável a cidadãos estrangeiros, ou devem apresentar um dos seguintes documentos: comprovativo de que foi iniciado o procedimento para a obtenção, renovação ou prorrogação  de título de residência, no âmbito de processo de regularização; comprovativo de admissão do pedido de asilo e cujo processo se encontre pendente; ou comprovativo da atribuição do Número de Identificação de Segurança Social (NISS). 

Esta formação, além de facilitar o processo de integração e acolhimento, permite que posteriormente, os formandos possam ser orientados para outros percursos de qualificação, permitindo melhorar as suas qualificações escolares e profissionais, ou aceder a processos de reconhecimento, validação e certificação de competências e reconhecimento de títulos de nível não superior obtidos no estrangeiro

  1. A formação digital

Após a aquisição das competências da língua portuguesa é possível prosseguir à formação profissional, por exemplo, através do Programa “Certificado de Competências Digitais”[4]. Este programa procura promover as competências digitais, como fator de inclusão social e de promoção da empregabilidade. 

Tal como o programa da língua portuguesa, a este programa podem aceder os cidadãos, com idade igual ou superior a 18 anos de idade, que pretendam obter formação profissional na área digital, o reconhecimento, validação e certificação de competências previamente adquiridas nesta área. Através destes programas será possível, por exemplo, procurar emprego através dos portais de emprego online, realizar pesquisas sobre uma determinada temática, utilizar o email, saber como realizar as declarações de IRS, ou consultar sites de utilidade diária, como a Segurança Social, entre outros. 

O programa inicia-se num nível de formação mais inicial, mas apresenta vários níveis de conhecimento, incluindo em níveis mais avançados matérias como a proteção de dados ou a cibersegurança. Através deste programa, torna-se possível a integração social, a autonomia e independência do cidadão, que se encontra num país diferente do seu de origem ou de residência habitual, e que desta forma, consegue de forma ativa resolver assuntos que necessita diariamente, como enviar um simples email, tratar de documentação ou enviar uma candidatura a uma vaga de recrutamento. 

  1. Outros programas de formação

São várias as instituições e associações que têm apostado na formação como estratégia de integração e acolhimento. Tomemos como exemplo, o caso da Associação Pão a Pão. Em janeiro de 2022 iniciariam o primeiro curso do Mezze Escola, um programa de formação para refugiados e imigrantes na área da restauração, em parceria com a Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa[5].

Tal como as formações apresentadas anteriormente, é igualmente necessário, os candidatos serem maiores de 18 anos, mas neste caso em concreto, migrantes ou pessoas requerentes ou beneficiárias de proteção internacional, com título de residência (definitivo ou provisório), NIF e NISS. Contudo, exige-se domínio da língua portuguesa, pelo menos, nível A2 no mínimo, motivo pelo qual se torna essencial o programa inicial de língua portuguesa, sem o qual não será possível frequentar outras formações, nomeadamente, este programa da Associação Pão a Pão. 

A Associação salienta que esta formação inclui atividades de dinamização social, o fortalecimento dos valores de respeito e compreensão entre as diversas comunidades, apoiando ao desenvolvimento pessoal. Estes programas formativos não se restringem unicamente e exclusivamente aos conteúdos formativos, mas possibilitam uma integração global e completa dos migrantes e refugiados. 

Conclusão

Uma das principais razões apontadas pelos refugiados e migrantes para não conseguirem encontrar emprego em Portugal é o fraco domínio do português. A atual diversidade de percursos formativos demonstra que não existe um único caminho para a integração, estando esta dependente dos objetivos e perspetivas de cada indivíduo, mas também das suas competências e conhecimentos, nomeadamente, sobre o país que o recebe. A aprendizagem da língua é umas das medidas de políticas públicas em matéria de integração e acolhimento, reduzindo os fatores de vulnerabilidade, nomeadamente no que concerne ao acesso ao mercado de trabalho e à cidadania.

A formação não confere apenas um conhecimento técnico e teórico, mas possibilita o estabelecimento de uma rede social e a promoção de experiências culturais e sociais, para o acolhimento e integração em Portugal. Após aquisição da língua portuguesa, é possível aceder a outros percursos formativos que conferem, por exemplo, competências digitais, cada vez mais importante para a autonomia do cidadão. É igualmente possível, com o domínio da língua, frequentar uma formação profissional, habilitando para o exercício de uma profissão qualificada. Estes programas são uma ferramenta essencial em matéria de migrações e refugiados, sendo muitas vezes o primeiro contacto com a cultura, a sociedade e a própria língua. 

O atual Plano de Recuperação e Resiliência destaca que através da formação importa desenvolver competências para a inovação e renovação industrial, ajustando a oferta à transformação dos mercados de trabalho e aos novos requisitos da empregabilidade, promovendo a consciência da importância da literacia de adultos. Os dados revelam que em 2019 frequentaram programas de Língua Portuguesa 12.390 formandos e, em 2020, esse número subiu para 13.179, mesmo sendo um ano de pandemia. Estes programas são essenciais, pois os imigrantes assumem um papel fundamental no mercado de trabalho, possibilitando a sobrevivência e eficiência de alguns setores económicos[6]. Contudo, os trabalhadores estrangeiros ocupam vagas para profissões menos qualificadas, com condições de trabalho mais duras, com elevados níveis de insegurança e valores de remuneração inferiores à média dos portugueses. A formação torna-se essencial para a integração no mercado de trabalho, mas também na sociedade, com melhores condições e qualidade de vida. A formação representa uma ferramenta para uma maior segurança e estabilidade do individuo.


[1] Assistente convidada na Nova School of Law. Aluna de doutoramento em Direito na mesma faculdade. Membro da linha Migração & Transformação Digital. 

[2] Programa disponível em Catálogo Nacional de Qualificações (anqep.gov.pt)

[3] Neste mesmo sentido o Conselho Nacional para os refugiados. Disponível em Ensino de Português Língua Estrangeira – CPR

[4] Programa disponível para consulta em Catálogo Nacional de Qualificações (anqep.gov.pt)

[5] Disponível em Pão a Pão — Homepage (paoapao.pt)

[6] Dados do observatório das migrações (2021), coord. Catarina Reis Oliveira. Disponível em e4dd5643-f282-4cc8-8be1-92aa499bb92f (acm.gov.pt)


COMO CITAR ESTE BLOG POST:

Dos Santos, Inês Freire. “A formação como ferramenta de acolhimento e integração”. NOVA Refugee Clinic Blog, Janeiro 2022, disponível em: <https://novarefugeelegalclinic.novalaw.unl.pt/?blog_post=a-formacao-como-ferramenta-de-acolhimento-e-integracao>

Share this Post

About Inês Freire dos Santos

Doutoranda em Direito na NOVA School of Law. Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2018). Mediadora e Formadora nos cursos de formação profissional do IEFP. Formadora na Confederação do Desporto de Portugal. Docente em regime Pro Bono na Universidade Sénior de Manique. Associada na APMJ, colaboração no projeto «MilFlores» da APMJ e CIG, na redação de um artigo sobre o Infanticídio.