Permanência em Portugal – que via escolher?

Sara Félix/ June 26, 2021/

Sara Félix[1]

Resumo: O presente artigo visa entender quais as vias disponíveis no Direito Português para um beneficiário de proteção internacional que queira continuar em Portugal, isto é, que pretende estender o tempo a que tem direito por via da autorização da residência. Nesse sentido, serão clarificados os possíveis mecanismos e analisada a sua viabilidade.

Palavras-chave: Refugiados; Beneficiários de Proteção Subsidiária; Nacionalidade; Residência; Ordenamento Jurídico Português.


Considerações Iniciais

Esta análise pretende, de modo descritivo e sintético, dispor sobre os meios de permanência existentes para os beneficiários de proteção internacional em Portugal. Sendo concedida aos beneficiários de proteção internacional a proteção e a consequente autorização de residência e tendo estes, após essa autorização, conseguido um trabalho estável, habitando numa casa com boas condições e tendo uma família constituída em Portugal, poderá existir um desejo de permanência longa e estável em Portugal. A permanência em Portugal pode fazer-se por duas vias, as quais serão elencadas de seguida, sendo que iremos analisar a renovação da autorização de residência, que apesar de permitir uma residência mais longa, peca pela sua duração e iremos analisar a possibilidade de adquirir a nacionalidade portuguesa por naturalidade.

Renovação

De acordo com a Lei n.º 27/2008[2], de 30 de junho, na sua atual redação (doravante “Lei de Asilo”), artigo 67º, após a concessão de proteção internacional em Portugal, os beneficiários receberão uma autorização de residência. Os refugiados terão direito a uma autorização de residência de 5 anos, sendo esta renovável por iguais períodos (n.º 1). Os beneficiários de proteção subsidiária terão, como disposto no nº2 deste mesmo artigo, direito a uma autorização de residência válida por 3 anos, também esta renovável por iguais períodos.

A autorização de residência é emitida assim que é reconhecido o estatuto de refugiado ou de proteção subsidiária e permite que a pessoa esteja legal em Portugal e que possa beneficiar de todos os direitos que lhe são concedidos, como direito ao alojamento, à educação, ao trabalho e a ser equiparado a um cidadão português[3].

Para além da concessão da autorização de residência para o próprio, é ainda possível requerer a concessão de uma autorização de residência extraordinária para os membros da família do beneficiário de proteção internacional, de acordo com o n.º 3 do artigo 67.º. O objetivo desta norma, e de acordo com o disposto no Direito Europeu, na Diretiva 2011/95/UE[4], é permitir que os beneficiários de proteção internacional possam restabelecer, mesmo que de modo temporário, a sua vida, restaurando também os laços com a sua família. Tal direito também se encontra versado no artigo 68.º da Lei de Asilo.

O artigo 41.º da Lei de Asilo dispõe quais são a causas que podem levar à cessação, a revogação, a supressão ou mesmo à recusa do direito de proteção. Situações que podem impedir a renovação seriam o regresso voluntário do beneficiário de proteção internacional ao seu país de origem, que o beneficiário decida valer-se de novo da proteção do país de que tem nacionalidade, ou, no caso específico do beneficiário de proteção subsidiária, que a razão que levou o estado português a conceder o estatuto de proteção deixe de se verificar.

O beneficiário de proteção subsidiária terá essa proteção, quando, por exemplo, pede asilo em Portugal porque o seu país de origem se encontra em guerra civil e lhe é concedido o estatuto sob a fundamentação de que se voltasse ao seu país de origem seria submetido a violações sistemáticas de direitos humanos[5]. Como referido, a renovação pode não ocorrer se a situação que originou o pedido deixar de se verificar, como disposto artigo 41.º, n.º 2. Se passados os 3 anos iniciais da validade da autorização de residência, o país de origem do beneficiário deixar de se encontrar numa situação que gera violações sistemáticas de direito humanos, pode considerar-se que a proteção deixe de ser necessária. Retomando o exemplo mencionado, esta situação poderá verificar-se com o término da guerra civil que despoletou a necessidade de proteção. Porém, as circunstâncias que permitem considerar que a situação inicial que gerou o pedido de proteção já não se verifica devem ser aferidas com cautela, como mencionado no nº3, tendo sempre em consideração o princípio de não repulsão.

Após a passagem dos 3 ou 5 anos, consoante o estatuto, pode acontecer que o beneficiário de proteção internacional queira renovar a sua autorização de residência. Paral tal, deverá munir-se dos documentos que dispõe (passaporte, comprovativo de morada e AR) e dirigir-se ao SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) para efetuar este pedido.

Importa mencionar que devem efetuar este pedido antes do término do prazo da autorização de residência.

Sendo concedida a renovação de mais 5 anos ou mais 3 anos, os beneficiários podem optar por após esse período, escolher a via que iremos elencar de seguida.

Nacionalidade Portuguesa

A nacionalidade portuguesa pode ser adquirida por um estrangeiro nascido fora de Portugal desde que esse resida em Portugal há, pelo menos, 5 anos no momento em que fará o pedido. Assim, o beneficiário de proteção internacional que pretenda adquirir a nacionalidade portuguesa, poderá fazê-lo, por naturalização.

Para iniciar o procedimento, o estrangeiro deve estar em situação regular em território nacional na altura do pedido e durante o decorrer do procedimento. Assim, os beneficiários do estatuto de refugiados deverão renovar a sua autorização de residência de 5 anos para pedir a nacionalidade portuguesa, cujo procedimento poderá ser iniciado logo ao término da primeira autorização de residência.

No caso dos beneficiários de proteção subsidiária, se, ao fim da segunda renovação, o procedimento de naturalização ainda não tiver sido concluído, dever-se-á solicitar a renovação da autorização de residência, considerando os limites anteriormente referidos.  

Para adquirir a nacionalidade, como dispõe artigo 6.º[6] da Lei da nacionalidade (Lei n.º 37/81, de 03 de Outubro, na atual redação) uma das condições, para além de viver há 5 anos em território nacional, é que a pessoa tenha mais de 18 anos e que conheça suficientemente a língua portuguesa. Para provar tal conhecimento, pode-se apresentar o certificado de um teste de português efetuado no Centro de Avaliação de Português Língua Estrangeira[7] ou, nos casos dos beneficiários de proteção internacional oriundos de países lusófonos, bastará que apresentem um certificado de habilitação de um estabelecimento de língua oficial portuguese.

Existem exceções quanto à apresentação de provas de conhecimento da língua portuguesa. Não é necessária a apresentação destas provas quando a pessoa reúna as condições de ter nascido num país de língua oficial portuguesa, tenha nacionalidade de um país de língua oficial portuguesa há mais de 10 anos e viva em Portugal há mais de 5 anos. Haverá ainda que analisar a questão dos conhecimentos de língua portuguesa consoante as capacidades da pessoa, sendo um caso de alguém que não saiba ler ou escrever, haverá que adaptar a possibilidade de prova para essa pessoa demonstrar os seus conhecimentos da língua. Adquirir a nacionalidade portuguesa tem um custo de 250 euros[8].

Segundo um estudo apresentado pela Presidência do Conselho de Ministros, no âmbito da lei da nacionalidade de 2006, os refugiados em comparação com a população migrante são os que apresentam o maior número de pedidos de aquisição de nacionalidade portuguesa[9].

Considerações Finais

Considerando os dois cenários referidos, isto é, a renovação do estatuto de proteção internacional e a possibilidade de adquirir a nacionalidade portuguesa, o facto é que a naturalização se revela a opção mais segura. Adquirindo a nacionalidade portuguesa, mesmo que tal tenha o custo de 250 euros, o beneficiário de proteção internacional torna-se cidadão português e, consequentemente, cidadão da União Europeia. Nesse sentido, esta opção é mais segura porque os direitos de cidadania que passam a estar disponíveis para a pessoa que adquire a nacionalidade permitem uma maior proteção do Estado Português. Para além desta proteção concedida pelo Estado Português, a pessoa também estará livre para viajar e retornar a qualquer momento ao território português, sem que existam limitações como locais em que a pessoa não deve ou pode ir, nem limitações em termos do tempo que pode estar fora do país. Pode também, se assim pretender, e caso o seu país de origem já se encontre mais seguro, lá regressar para rever familiares.

Concluindo, qualquer beneficiário de proteção internacional que queira permanecer em Portugal por tempo posterior ao que lhe é concedido inicialmente pode requerê-lo. O ordenamento jurídico português, em consonância com as normas europeias, concede essa possibilidade e prevê um regime seja para a renovação da residência (mantendo o estatuto como refugiados ou beneficiário de proteção subsidiária) e naturalização (tonando-se cidadão português).


FORMA DE CITAR:
S. FÉLIX, Permanência em Portugal – que via escolher?, NOVA Refugee Clinic Blog, Junho 2021, disponível em <https://novarefugeelegalclinic.novalaw.unl.pt/?blog_post=permanencia-em-portugal-que-via-escolher>


[1] Mestranda em Direito Internacional e Europeu na Nova School of Law e jurista licenciada pela Universidade de Direito da Universidade de Lisboa. Membro da equipa de prática da Legal Refugee Clinic desde Fevereiro 2020.

[2] Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou proteção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de proteção subsidiária, transpondo para a ordem jurídica interna as Diretivas n.ºs 2004/83/CE, do Conselho, de 29 de Abril, e 2005/85/CE, do Conselho, de 1 de Dezembro.

[3] Direitos elencados nos artigos 70.º e seguintes da Lei n.º 27/2008;

[4] Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (reformulação).

[5] Artigo 7.º, da Lei 27/2008, de 30 de Junho, na atual redação.

[6] Lei n.º 37/81, de 03 de Outubro, na atual redação – Lei da Nacionalidade

[7] Site Justiça.Gov – Disponível em https://justica.gov.pt/Como-obter-nacionalidade-portuguesa/Reside-legalmente-em-Portugal-ha-pelo-menos-6-anos. (Apesar de referido 6 anos no site, a Lei da Nacionalidade apenas requer 5 anos);

[8] Site Justiça.Gov- Disponível em https://justica.gov.pt/Como-obter-nacionalidade-portuguesa/Reside-legalmente-em-Portugal-ha-pelo-menos-6-anos.

[9] HEALY, Claire- Cidadania Portuguesa, A Nova Lei da Nacionalidade de 2006. Observatório da Migração, Abril 2001. Disponível em: https://www.om.acm.gov.pt/documents/58428/177157/Estudo45_WEB.pdf/258cd874-463a-4bfd-b928-036878fc7999. Página 149

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About Sara Félix

Mestranda em Direito Internacional e Europeu na NOVA School of Law. Desde os 18 anos, quando começou a estudar Direito e se mudou para Lisboa, entendeu que o que mais queria era fazer o mundo um pouco melhor. Foi voluntária no Centro Português para os Refugiados (CPR) durante três meses, quer na área jurídica, quer na área de logística e de emprego. Foi também voluntária na Associação de Mulheres contra a Violência. Fez Erasmus, no último ano de licenciatura, em Budapeste.