Desafios no processo de integração dos refugiados em Portugal

NOVA Refugee Clinic/ May 3, 2021/

Raíssa Lemos[1]

Resumo

A chegada de refugiados a Portugal tem colocado desafios prementes e constantes às políticas de acolhimento, nomeadamente, no que diz respeito ao acesso a determinados direitos sociais, tais como o direito à habitação, à saúde, à educação, ao trabalho, etc.

No que se refere ao acesso ao direito ao trabalho, destacamos a importância da aprendizagem da língua do país de acolhimento, bem como da promoção de ações de formação profissional e do reconhecimento das qualificações académicas obtidas no país de origem como factores essenciais para uma rápida e eficaz integração na sociedade de acolhimento.

Palavras Chave: Refugiados, acolhimento, desafios, integração.


Considerações iniciais

A crise humanitária provocada pela Guerra na Síria gerou um dos maiores fluxos de refugiados na história da humanidade. Este movimento migratório para além de ter colocado em sobressalto as autoridades dos países de origem, trânsito e de destino, provocou, ainda, uma necessidade urgente de medidas de integração que fossem capazes de garantir, especialmente, a devida proteção aos direitos humanos dos refugiados, bem como a salvaguarda da sua dignidade.

Dentro dos vários direitos sociais, importam ter aqui presente, sobretudo, aqueles cujo acesso se revela essencial a uma vida condigna (egs.: saúde, alimentação, água, vestuário, educação, etc.).

Neste contexto, em Portugal, destaca-se – no âmbito do processo de acolhimento e integração de refugiados – o acesso à habitação. Com efeito é, muitas vezes, a partir deste processo de autonomia que os beneficiários de proteção internacional começam a construir a sua rede de contactos e de apoio, que, por sua vez, irá possibilitar trocas de experiências interculturais com a comunidade local, o que se revela fundamental não só para a sua efectiva integração, como também para o enriquecimento cultural da sociedade de acolhimento.

Também, no que se refere ao acesso à saúde, o Ministério da Saúde, através da Administração Central do Sistema de Saúde e da Direção-Geral da Saúde, comprometem-se a assegurar o acesso ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) a todos os beneficiários do estatuto de refugiado e respetivos membros do seu agregado familiar, em igualdade de circunstâncias com os cidadãos nacionais, encontrando-se ainda isentos do pagamento de taxas moderadoras, conforme definido no artigo 4º, alínea n) do Decreto-Lei n.º 113/2011, de 29 de novembro[2]. Ademais, a Constituição da República Portuguesa (CRP) em seu art. 64.º, n.º 1, estabelece a universalidade do direito à saúde[3], conferindo a todos, incluindo-se aqui também os refugiados, o direito à proteção da saúde.

No entanto, somos da opinião que Portugal precisa ainda de melhorar alguns aspetos das suas políticas e práticas de integração de refugiados para que esta possa ser alcançada de uma forma socialmente condigna. Neste âmbito, uma das principais dificuldades encontradas diz respeito ao acesso a alguns dos direitos sociais basilares, tais como, o direito à habitação, saúde e, especialmente, acesso ao mercado de trabalho.

Por fim, verifica-se também que o processo de integração possui várias outras implicações, como a adaptação a outra cultura, outra língua, etc., etc.

Desafios no processo de integração

A Lei de Asilo determina no seu artigo 76.º que “a fim de facilitar a integração dos refugiados e dos beneficiários de proteção subsidiária na sociedade portuguesa, devem ser promovidos programas de integração pelas entidades competentes”[4]. Sobre a integração de refugiados em Portugal, segundo um estudo realizado junto das comunidades de refugiados e de representantes de várias entidades de acolhimento locais[5], as principais dificuldades sentidas pelos refugiados recolocados (provenientes da Grécia e Itália) residem, precisamente, na inserção profissional, no aprendizado da língua portuguesa e obtenção de documentação como certificados, equivalências escolares ou traduções).

Nesse sentido, a difícil inserção no mercado de trabalho é um dos aspectos que mais preocupa quer os refugiados, quer as entidades de acolhimento, nomeadamente, por frequentemente não estarem disponíveis, nos países de acolhimento, oportunidades de emprego compatíveis com as suas competências, qualificações e/ou aptidões em decorrência, por exemplo, de entraves burocráticos que impossibilitam o acesso a estas vagas. A tudo isto acresce, a demora na legalização de documentos necessários para este efeito e a dificuldade na obtenção da acreditação das habilitações académicas e/ou das qualificações profissionais.

Diante de tudo o que foi acima dito ressalta-se ainda a situação de crise sanitária e económica global em que nos encontramos. Com efeito, dados recentes, revelam que o índice de desemprego registrado em Portugal, não está a afetar negativamente somente a população de refugiados presente no seu território. Por exemplo, em janeiro de 2021, a taxa de desemprego em Portugal encontrava-se em torno de 7,2%. Embora, este valor tenha de ser lido tendo em conta a crise económica mundial atual e de, ainda assim, se situar abaixo do nível da Zona do Euro, este último à volta de 8,1%, não deixa de ser um indicador deveras preocupante[6].

Assim, é importante priorizar determinados fatores de integração, destacando-se aqui a promoção do acesso ao mercado de trabalho. Com efeito, é através do trabalho que o refugiado conseguirá integrar-se e estabelecer conexões relevantes com a sociedade de acolhimento, criando laços afetivos e sociais[7]. Dentro desse contexto, é relevante ressaltar que uma efetiva integração não depende somente do indivíduo, mas também, e, sobretudo, das medidas de apoio que lhe sejam proporcionadas pelo Estado de acolhimento desde o momento da sua chegada.

Dessa forma, é necessário que seja promovida, o mais cedo possível, a aprendizagem da língua do país onde se encontra (eg.: através de cursos gratuitos fornecidos pelo Estado), na medida em que tal se revela essencial para a obtenção de um trabalho nesse país. Ainda, é importante melhorar o acesso ao mercado de trabalho, designadamente, por meio de mecanismos de verificação de habilitações e competências. Tal possibilitará não só que a inserção profissional seja realizada de acordo com os perfis dos refugiados, como também com que seja potenciado outro tipo de fatores, tais como, o seu conhecimento em áreas em que já tenha tido algum tipo de experiência profissional.

Diante disso, revela-se essencial a existência de uma rede de cooperação entre as autoridades públicas e outros parceiros económico-sociais (tais como: organizações empresariais, câmaras de comércio e indústria, associações de artesãos, empresas e seus trabalhadores, serviços públicos, educadores e outros formadores, organizações da sociedade civil, etc.), de modo a possibilitar a inserção profissional dos refugiados no período de recuperação económica que já começa a dar os primeiros sinais.

Neste contexto, destaca- se a Declaração conjunta da Comissão, dos Sindicatos, das Câmaras de Comércio e das Associações da União Europeia[8], a qual ressalta a necessidade primordial dos Estados membros “utilizarem” melhor as habilidades e o potencial dos refugiados. Tal inclusão trará vantagens não só para estes, como também para todos os Estados envolvidos no processo de integração.

No particular contexto português, a integração de refugiados implica grandes desafios ao Estado, ressaltando-se a necessidade de desenvolvimento de um sistema cada vez mais inclusivo para que o processo de integração seja mais célere e eficaz.

Conclusão

Concluímos afirmando que se revela essencial a promoção do acesso imediato de refugiados a determinados direitos básicos, tais como à saúde, à habitação, à alimentação, à água, à educação, ao trabalho, etc. etc. Tais direitos devem ser vistos como pilares fundamentais de uma integração que se quer efetiva e plena e como tal devem ser assegurados ao longo de todo o processo de integração.

Como foi dito, tal poderá ser alcançado através de algumas medidas de apoio essenciais, nomeadamente, através de uma rede de comunicação efetiva entre as várias entidades envolvidas no processo de integração que assegure respostas adequadas a cada situação, que atendam à especial vulnerabilidade desta categoria de pessoas e às necessidades especiais de cada grupo/comunidade de refugiados. 

Além disso, é primordial, o desenvolvimento de políticas que fomentem a criação de empregos e que promovam o acesso efetivo e célere ao mercado de trabalho, nomeadamente, através de medidas de apoio à inserção profissional, programas de aprendizagem da língua portuguesa, entre outras medidas.

Por fim, destacamos a importância de os Estados reforçarem os mecanismos de validação das qualificações e competências acadêmicas e/ou profissionais dos refugiados, de forma a que seja assegurado um reconhecimento das suas habilitações e, também, seja viabilizado o seu acesso a oportunidades de emprego nos países de acolhimento adequadas às suas respetivas valências.


FORMA DE CITAR:
R. LEMOS, Desafios no processo de integração dos refugiados em Portugal, NOVA Refugee Clinic Blog, Maio 2021, disponível em <https://novarefugeelegalclinic.novalaw.unl.pt/?blog_post=desafios-no-processo-de-integracao-dos-refugiados-em-portugal>


[1] Mestranda em Direito Social e da Inovação na NOVA School of Law. Mediadora humanista e mediadora de conflitos formada na Nova School of Law, entidade formadora certificada pela Ministério da Justiça de Portugal. É membro da NOVA Refugee Clinic-Legal Clinic.

[2] Decreto-Lei n.º 113/2011, de 29 de novembro, na sua redação atual, disponível em: http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=2035&tabela=leis&so_miolo=

[3] Cfr. Art. 64.º, n.º 1 da CRP: “Todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover.” Portugal. Constituição da República Portuguesa. Disponível em:  < http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=4&tabela=leis>. Acesso em: 11 abr. 2021.

[4] Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, na sua redação rtual. Disponível em:  <http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1584&tabela=leis>. Acesso em: 11 abr. 2021.

[5] Costa, P., Sousa, L., Bäckström, B., Magano, O. & Albuquerque, R. (2019). O acolhimento de refugia- dos recolocados em Portugal: a intervenção das instituições locais. In A. M. Costa e Silva, I. Macedo & S. Cunha (Eds.), Livro de atas do II Congresso Internacional de Mediação Social: a Europa como espaço de diálogo intercultural e de mediação(pp. 113-133). Braga: CECS.

[6] Desemprego sobe em janeiro, mas Portugal fica abaixo da média da UE. Eco, 4 mar. 2021. Disponível em:  https://eco.sapo.pt/2021/03/04/desemprego-sobe-em-janeiro-mas-portugal-fica-abaixo-da-media-da-ue/. Acesso em 20 mar. 2021.

[7] Ribeiro, M. J. Políticas de acolhimento de refugiados recolocados em Portugal. Lisboa: ISCTE-IUL – Instituto Universitário de Lisboa, 2017.

[8] Integração de migrantes e refugiados no mercado de trabalho: Comissão e parceiros económicos e sociais relançam a cooperação em 07 set. 2020. Disponível em: https://ec.europa.eu/newsroom/representations/item-detail.cfm?item_id=686435&newsletter_id=410&utm_source=representations_newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=Portugal+representation+-+News&utm_content=Integrao+de+migrantes+e+refugiados+no+mercado+de+trabalho+Comisso+e+par&lang=en. Acesso em 20 mar. 2021.

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