As dificuldades de inserção dos refugiados e requerentes de asilo no mercado de trabalho português

Ana Carolina Pereira/ March 3, 2021/

Ana Carolina Pereira[1]

Resumo

Os refugiados e requerentes de asilo são, frequentemente, confrontados com várias barreiras legais, financeiras, culturais e linguísticas no processo de integração na sociedade portuguesa. Neste pequeno estudo, procuraremos não só identificar estes obstáculos, como iremos tecer algumas considerações acerca do modo como estes comprometem a inserção destes indivíduos no mercado de trabalho e na sociedade. Neste contexto, revela-se fundamental desmistificar crenças, sobretudo, tendo em vista a desconfiança e o receio que ainda persiste por parte de algumas entidades empregadoras na altura de decidir contratar (ou não) um requerente de asilo ou um refugiado.

Concluiremos, ressaltando a importância que estas pessoas representam na nossa sociedade e sublinhando os compromissos assumidos ao nível internacional. O direito ao trabalho é um direito de todos e, neste processo de acolhimento/integração, todos nós beneficiamos. O requerente de asilo/refugiado beneficia, na medida em que, através do trabalho readquire a oportunidade de viver uma vida com dignidade social. A sociedade, por sua vez, passa não só a usufruir de mão de obra com qualificações e aptidões nas mais diversas áreas, como se enriquece culturalmente com novas perspetivas, crenças, idiomas, etc., ampliando a sua visão e compreensão sobre o mundo.

“Os requerentes de asilo devem beneficiar do acesso ao mercado de trabalho do Estado de acolhimento o mais rapidamente possível. Uma política de acolhimento que inclua o direito ao trabalho impedirá (…) a exclusão da sociedade de acolhimento (…)”[2].

O acesso ao mercado de trabalho é, talvez, um dos indicadores positivos mais relevantes no processo de integração nas sociedades de destino dos requerentes de asilo e refugiados. Pode-se dizer que o trabalho é uma oportunidade para que o indivíduo possa estabelecer-se em condições dignas, além de ser um meio de progressão social. Além disso, o trabalho é considerado um direito comum a todos, sem distinção, caracterizando-se pela sua universalidade. Assim estabelece a Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH): “Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à protecção contra o desemprego”[3].        

Também o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais consagra este direito (art. 6º), o mesmo acontece com o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (art. 8º), a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (art. 5º) e a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros das suas Famílias (arts. 11.º, 25.º, 26.º, 40.º, 52.º e 54.º).

Embora seja um direito universal de extrema importância, o acesso a este ainda é bastante limitado na prática, tanto no que toca a requerentes de asilo, como a refugiados. Assim nos mostram os dados avançados ao Jornal de Notícias pelo Gabinete da Ministra de Estado e da Presidência (GMEP): em 2019, apenas 227 dos 739 refugiados em idade ativa no país obtiveram emprego. Ou seja, cerca de 30% [4], o que significa que a grande maioria se encontra numa situação de desemprego.

Os entraves que enfrentam no processo de integração e que poderão estar a potenciar estas situações de desemprego são vários, nomeadamente, o procedimento pelo qual têm de passar.

O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) é a entidade responsável que procede à análise dos pedidos de asilo. Todos estes são considerados inicialmente como pedidos de proteção internacional[5], de forma a assegurar que os indivíduos carecidos de proteção terão acesso a um estatuto legal.

Em primeiro lugar, proceder-se-á à análise da situação do indivíduo, apurando se estão verificadas as condições para que beneficie do estatuto de refugiado. Caso não estejam, será analisada a possibilidade de ter direito à proteção subsidiária[6].

Enquanto o pedido de proteção internacional não é apreciado, os requerentes têm o direito a permanecer em território nacional[7]. Para tal, é emitida uma declaração comprovativa de que o pedido foi feito e que autoriza os requerentes a permanecerem em território português[8].

Este direito não se confunde com a Autorização de Residência Provisória (ARP), que poderá ser emitida noutro momento, numa segunda fase, caso o pedido seja admitido. Esta será válida por um período inicial de 6 meses e que pode, ou não, ser renovada até à decisão final sobre a concessão do estatuto de refugiado ou de beneficiário de proteção subsidiária[9].

O titular de uma ARP adquire um estatuto legal que lhe concede alguns direitos, nomeadamente, à educação e ensino, à orientação, à formação, aperfeiçoamento e à reciclagem profissionais, ao acesso à saúde e aos tribunais[10]. Este estatuto concede-lhe, também, o poder de exercer uma atividade profissional[11], seja ela subordinada ou independente.

Não obstante, o carácter provisório deste tipo de autorização de residência dificulta a celebração de um contrato de trabalho, uma vez que muitas das entidades empregadoras não estão dispostas a contratar apenas por um período de seis meses[12]. Além disso, a desinformação relativamente ao processo de asilo em geral, aos direitos e os deveres dos requerentes de asilo ao longo de todo o processo e até à decisão final, ainda está muito presente.

Cumpre destacar também que, muitas vezes, os atrasos com a renovação da ARP – o período entre o fim da validade do documento provisório e a emissão do seguinte – faz com que as pessoas percam o contrato de trabalho, assim afirma Lisa Matos, investigadora com experiência académica e prática em matéria de asilo[13].

As instituições que trabalham diretamente com estas pessoas acrescentam, ainda, como obstáculos à integração a barreira linguística e o preconceito social. Muitos são os que não falam o básico da língua portuguesa e há quem chegue sem qualificações académicas. Contudo, há também casos de pessoas instruídas que falam várias línguas, aptidões que constituem, indiscutivelmente, uma mais-valia para a integração no mercado de trabalho, não sendo, porém, condição imediata de sucesso profissional[14]. A xenofobia, associada ao preconceito social, também influencia negativamente o processo de integração social. As instituições que, muitas vezes, funcionam como intermediários entre os refugiados/requerentes de asilo e o mercado de trabalho são confrontadas frequentemente com o ceticismo, o preconceito e a desconfiança. Por outro lado, o prolongamento da situação de desemprego destas pessoas, e consequente manutenção de situação de dependência de apoios sociais do Estado, contribui ainda mais para agravar estes sentimentos de discriminação.

Todavia, é importante ressalvar que estes receios são infundados, na medida em que os refugiados não só não são uma ameaça, como resultam também num benefício para a atividade económica local e nacional do país que os recebe[15]. Os estudos apontam que o acolhimento de refugiados pode ser benéfico na medida em que poderá preencher postos de trabalho de sectores em crescimento ou em declínio na economia, contribuindo para uma maior flexibilização do mercado de trabalho[16]. A entrada de mão de obra, que contribuirá para um aumento da população ativa, é também uma forma de contrariar as tendências demográficas que existem numa sociedade cada vez mais envelhecida.

Além disso, trazem consigo aptidões e conhecimentos nas mais diversas áreas, contribuindo assim para um enriquecimento da sociedade, e estabelecem-se muitas vezes em regiões do território português menos povoadas. Existe uma lógica de descentralização na instalação dos refugiados e requerentes de asilo para que estes não fiquem apenas nos grandes centros urbanos, mas possam também ir viver para as zonas interiores do país[17]. Neste sentido, Cláudia Pereira, secretária de Estado para a Integração e as Migrações, refere que têm sido dinamizadas sessões de esclarecimento para dar a conhecer as várias ofertas de emprego que existem no interior do país, o que é fundamental no sentido de repovoar estas zonas do país que têm sofrido com a saídas dos nacionais que se concentram nos grandes centros urbanos.

Conclusões

Os refugiados/requerentes de asilo enfrentam inúmeros obstáculos em estabelecerem-se no país de acolhimento, particularmente, em aceder ao mercado laboral. São confrontados com um procedimento com falhas, uma língua diferente, preconceitos e uma sociedade desinformada que, em muitos aspetos, não está pronta para os receber.

Deste modo, o desmantelamento destes entraves é crucial, considerando a importância que o trabalho tem na inserção destas pessoas, facilitando e promovendo a sua integração social e económica, bem como a interação social com os residentes locais e a aprendizagem do idioma do país de acolhimento. Além disso, é um fator de valorização pessoal e social, na medida em que, assegurando o acesso ao mercado de trabalho aos refugiados e requerentes de asilo, estaremos a assegurar a sua autonomia, a qual, por sua vez, se revela fundamental na promoção da segurança, bem-estar e confiança destas pessoas. Por outro lado, a sociedade que os acolhe beneficiar-se-á também, na medida em que, passa não só a usufruir de mão de obra com qualificações e aptidões nas mais diversas áreas, contribuindo assim para a criação de riqueza no país, como se enriquece culturalmente com a chegada de novas visões, perspetivas, ideias.


FORMA DE CITAR:
A.C. PEREIRA, As dificuldades de inserção dos refugiados e requerentes de asilo no mercado de trabalho português, NOVA Refugee Clinic Blog, Março 2021, disponível em <https://novarefugeelegalclinic.novalaw.unl.pt/?blog_post=as-dificuldades-de-insercao-dos-refugiados-e-requerentes-de-asilo-no-mercado-de-trabalho-portugues>


[1] Estudante de licenciatura em Direito na Nova School of Law

[2] ECRE, Position on the Reception of Asylum Seekers, 1997; acessível em: https://www.refworld.org/cgi-bin/texis/vtx/rwmain?page=search&docid=3c0262f74&skip=0&query=ecre

[3] Artigo 23º da DUDH

[4] Cfr: https://www.jn.pt/nacional/70-dos-refugiados-nao-conseguiram-arranjar-emprego-em-portugal-11647183.html

[5] Art. 2º, n.º1, al. s) da Lei 27/2008, de 30 de junho [doravante Lei do Asilo (LA)]. Publicada no Diário da República n.º 124/2008, Série I de 2008-06-30; acessível em: Lei 27/2008, 2008-06-30 – DRE

[6] Art.10º, n.º1 e 2 da LA

[7] Art.11º, n.º1 da LA

[8] Art. 14.º, n.º 1 da LA

[9] Art. 27º, n. º1 da LA

[10] Art. 49º da LA

[11] Art.54.º, n. º 1 da LA

[12] Cfr. https://www.jpn.up.pt/2020/12/18/no-acolhimento-de-refugiados-portugal-tem-um-longo-caminho-a-percorrer/

[13] Cfr. https://www.publico.pt/2018/11/16/sociedade/noticia/apoio-portugal-refugiados-casuistico-descoordenado-isolado-1851242

[14] Cfr. https://www.jpn.up.pt/2020/12/18/no-acolhimento-de-refugiados-portugal-tem-um-longo-caminho-a-percorrer/

[15] KNOMAD, Study on the Refugees’ Right to Work and Access to Labor Markets, 2016; acessível em:
https://www.knomad.org/sites/default/files/2017-03/KNOMAD%20Study%201%20Part%20I-%20Assessing%20Refugees’%20Rights%20to%20Work_final.pdf

[16] Parlamento Europeu, Briefing on Economic challenges and prospects of the refugee influx, 2015, acessível em:
https://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/BRIE/2015/572809/EPRS_BRI(2015)572809_EN.pdf

[17] Cfr. https://observador.pt/2020/12/18/governo-quer-refugiados-empregados-a-falar-portugues-e-com-habitacao-dentro-de-ano-e-meio/

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