Refugiado menor não acompanhado: breves comentários

Sara Félix/ May 12, 2020/

By Sara Félix[1]

Um requerente de asilo pode trazer consigo muitas histórias, umas mais dolorosas, outras menos, mas irá sempre trazê-las. Como requerente de asilo terá de passar uma provação, no sentido literal, de demonstrar com factos, que são mais que histórias, que o estatuto de refugiado lhe deva ser atribuído, provando que é perseguido, quer por razões raciais, políticas, religiosas, relacionadas com a nacionalidade, ou por pertencer a um certo grupo social. Nesta situação poderemos ter maiores, tal como poderemos ter menores, menores esses que chegaram à Europa seja de que forma for, sem que ninguém os acompanhe, não tendo do seu lado o pai, a mãe ou qualquer outro adulto responsável. Em termos legais, um menor não acompanhado será qualquer pessoa nacional de país terceiro (fora da União Europeia) ou apátrida, com idade inferior a 18 anos, que entre, neste caso, em Portugal, sem estar acompanhada, definição presente no artigo 2º m) da Lei 27/2008 de Asilo.

A Lei Portuguesa de Asilo, baseando-se na Convenção de Genebra sobre os Refugiados e nas Diretivas Europeias que regulam os pedidos de asilo, refere que os pedidos deverão ser apresentados no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). No caso de crianças menores não acompanhadas, teremos certos procedimentos específicos, uma vez que estas terão de ser representadas por uma entidade ou organização não governamental, como está disposto no artigo 79.º, n.º 1, da Lei de Asilo. Isto é, durante o procedimento de asilo, um menor não acompanhado terá de estar representado por um adulto. Uma análise pericial pode ser realizada a fim de verificar a idade real da criança, de modo a que se possa confirmar se a proteção poderá ser reconhecida enquanto menor[2].

De acordo com os dados do Conselho Português para os Refugiados (CPR)[3], em 2018 registaram-se 40 novas admissões de menores não acompanhados em Portugal, sendo que a larga maioria dos menores eram originários de África e de sexo masculino.

Os menores não acompanhados terão, como já foi referido, um regime específico devido à sua especial vulnerabilidade. Nesse sentido, têm, por exemplo, acesso à educação, enquanto requerentes de asilo (isto é, enquanto estão à espera da concessão ou não de estatuto de refugiado); educação, essa que pretende assegurar o superior interesse da criança.

O reagrupamento familiar é um direito que é concedido a todos os refugiados e beneficiários de proteção subsidiária, sejam eles maiores ou menores.  A união familiar está prevista na Lei de Asilo no artigo 68.º, enfatizando esta disposição a importância de manter a unidade familiar. O direito à vida familiar é um direito fundamental previsto na Carta Europeia dos Direitos Humanos, no artigo 8.º[4], o que significa que, sempre que seja possível, os Estados-Membros, devem realizar uma ingerência positiva e permitir que o reagrupamento familiar ocorra.

Para que possamos entender como o reagrupamento familiar deve operar, temos de verificar a Diretiva 2003/86/CE, que dispõe quais familiares estão abrangidos no conceito de família e como funciona o regime específico dos refugiados. Os refugiados menores não acompanhados podem, assim que a decisão de concessão de autorização de residência for emitida, ou seja, assim que lhes seja reconhecido o estatuto de refugiado ou a proteção subsidiária, requerer que a sua família seja reunida. Assim, um refugiado menor não acompanhado poderá também ter como seus familiares os seus ascendentes diretos, os quais, de acordo com a Diretiva, devem entrar no país com autorização do Estado. Esta autorização não prevê uma margem de discricionariedade por parte do Estado-Membro, uma vez que na letra da lei lemos “devem permitir a entrada e residência”[5], o que configura uma exceção da regra presente no 4.º, n.º 2, a)[6], da Diretiva.

A família nuclear, na perspetiva europeia, inclui os descendentes diretos e os cônjuges, sendo a entrada ou a permanência de ascendentes apenas é permitida após uma análise dos Estados-Membros, por essa razão no 4.º, n.º 2, a), lemos “podem” permitir a entrada. No caso dos refugiados menores não acompanhados existe, assim, um regime mais favorável, que salvaguarda a criança e o seu superior interesse.

Tendo em conta o reagrupamento familiar, em 2018 o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) viu-se confrontado com uma especial questão, a qual demonstrou que, por vezes, a letra da lei tem que, como tudo, sofrer interpretações[7]. Decorre dos factos, que entrou nos Países Baixos como um requerente de asilo, na altura considerado como menor não acompanhado (17 anos), sendo-lhe reconhecido o estatuto de refugiado quando já havia completado 18 anos, ou seja, já era maior de idade. Após obter a concessão de estatuto de refugiado, decidiu requerer o reagrupamento de seus pais, que viviam na Eritreia. Ao fazer este pedido, fê-lo através da proteção que é concedida aos menores não acompanhados, todavia, o Estado considerou que este não teria direito a essa especial proteção, uma vez que já não era menor. Assim, o pedido foi indeferido com base no 4.º, n.º 2, a) da Diretiva de Reagrupamento Familiar, tomando uma decisão baseada na sua discricionariedade.

A principal questão colocada ao TJUE pelo tribunal nacional dos Países Baixos prendia-se com a determinação de que data deve ser tomada em consideração quando um menor, na pendência da análise do processo, torna-se maior. Se deve ser considerada a data em que efetua o pedido de asilo, ou a data em que requer o reagrupamento familiar. A esta questão o Tribunal respondeu que, apesar da definição de menor não acompanhado mencionar a “idade inferior a 18 anos”, não se encontra em lado algum a especificidade do momento em que essa idade deve ser tida em conta. Considerou-se que não caberá a cada Estado-Membro decidir o momento a ter em conta para que se possa verificar se o requisito da menoridade está ou não preenchido.

Deste modo, o TJUE determinou que o momento relevante será a data de apresentação do pedido de proteção internacional no Estado-Membro, uma vez que o tempo que o pedido leva a ser analisado não depende do requerente de asilo, mas, sim, da burocratização que surge da análise do mesmo. De acordo com Silvia Bartolini[8], a decisão do TJUE parece bastante voltada ao direito das crianças, centrando-se na proteção dos menores contra a possível “negligência” das autoridades nacionais competentes na matéria de asilo. 

Foi decidido, portanto, neste caso em específico – tendo em consideração o superior interesse da criança, que deve sempre pautar as decisões e atuações que se reportem a estas -, que o requerente de reagrupamento familiar teria direito a que os seus pais entrassem e residissem nos Países Baixos. O refugiado efetivou o pedido de asilo, ainda menor, e apenas completou os 18 anos porque houve demora na análise do processo. Apesar desta decisão ser para um caso concreto, a interpretação que dela decorre deverá ser aplicada em todos os Estados-Membros, permitindo, por conseguinte, um maior grau de proteção.

Entendo, que esta decisão gera nos Estados-Membros um reconhecimento de que o processo de asilo, quando se refira a menores não acompanhados, deva ser célere, para que estes possam readaptar-se e começar uma vida calma e estável, restaurando as suas relações pessoais. O TJUE construiu uma pedra angular que permite que os menores não acompanhados não sejam penalizados por demoras no procedimento e que possam, mesmo com 18 anos e desde que tenham efetuado o pedido de asilo com 17 anos ou menos, reunir-se com os seus pais.

Bibliografia

Acórdão TJUE, Caso C-550/16, A e S c. Países Baixos, 12 abril 2018, disponível em: http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=200965&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=644000

Bartolini, Silvia, “The Right to Family Reunification of Unaccompanied Minor Asylum Seekers before the Court of Justice of the EU”, European Law Blog, 2018;

Rosa, Vítor, “Os menores estrangeiros isolados ou não acompanhados em França e Portugal: a “batata quente”, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XXIX, 2015, pág. 171-198

Strike Tineke, Hart de Betty e Nissen Ellen, “Family Reunification: a barrier or facilitator of integrations? A comparative study”, European Comission, Bruxelas

Conselho Português para os Refugiados, Relatório 2018, http://cpr.pt/wp-content/uploads/2019/04/CPR_Relatorio_2018_web.pdf


[1] Licenciada em Direito, e aluna do Mestrado de Direito Internacional e Europeu, que frequenta na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. É membro da Refugee Legal Clinic da Nova.

[2] “7 – Os menores não acompanhados devem ser informados de que a sua idade vai ser determinada através de um exame pericial, devendo o respetivo representante dar consentimento para esse efeito”, 79º nº7, Lei 27/2008;

[3] http://cpr.pt/wp-content/uploads/2019/04/CPR_Relatorio_2018_web.pdf

[4] “Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência.”

[5] Artigo 10.º, n.º 3, a), “Se o refugiado for um menor não acompanhado, os Estados-Membros: a) Devem permitir a entrada e residência, para efeitos de reagrupamento familiar, dos seus ascendentes diretos em primeiro grau, sem que sejam aplicáveis os requisitos referidos na alínea a) do nº 2 do artigo 4.º”

[6] “Em conformidade com a presente diretiva e sob reserva do cumprimento das condições previstas no capítulo IV, os Estados-Membros podem, através de disposições legislativas ou regulamentares, autorizar a entrada e residência dos seguintes familiares:

 a) Os ascendentes diretos em primeiro grau do requerente do reagrupamento ou do seu cônjuge, se estiverem a seu cargo e não tiverem o apoio familiar necessário no país de origem;”

[7] Acórdão TJUE, Caso C-550/16, A e S c. Países Baixos, 12 abril 2018.

[8] Silvia Bartolini, “The Right to Family Reunification of Unaccompanied Minor Asylum Seekers before the Court of Justice of the EU”, 2018, European Law Blog; https://europeanlawblog.eu/2018/05/07/the-right-to-family-reunification-of-unaccompanied-minor-asylum-seekers-before-the-court-of-justice-of-the-eu/; (Visitado a 20/04/2020)

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About Sara Félix

Mestranda em Direito Internacional e Europeu na NOVA School of Law. Desde os 18 anos, quando começou a estudar Direito e se mudou para Lisboa, entendeu que o que mais queria era fazer o mundo um pouco melhor. Foi voluntária no Centro Português para os Refugiados (CPR) durante três meses, quer na área jurídica, quer na área de logística e de emprego. Foi também voluntária na Associação de Mulheres contra a Violência. Fez Erasmus, no último ano de licenciatura, em Budapeste.